O Brasil, sem sombra de dúvida, vive uma das maiores crises de Estado dos últimos tempos. O governo federal atua contra o próprio Estado na medida em que provoca a destruição do funcionalismo público por meio de ataques e assédios aos servidores. E, mutadis mutandi, este processo de expurgo encontra-se em todas as esferas do poder público.
Impossível um Estado forte sem uma máquina pública forte, sem servidores valorizados e respeitados não só nas remunerações, benefícios e na implantação de planos de carreira, qualificação profissional, mas no que concerne inclusive à deficiente estrutura física dos órgãos públicos com rachaduras, vazamentos, umidade excessiva, encanamentos entupidos, trazendo um ambiente laboral perigoso e insalubre.
É cediço que a Administração Pública se norteia por três “E”: eficácia, eficiência e efetividade, simultaneamente com os princípios da publicidade, legalidade, moralidade, impessoalidade, supremacia do interesse público, entre outros. Contudo, não é o que se constata, na atual realidade, pois há servidores sendo ameaçados por cumprir dever funcional, a exemplo do que ocorreu recentemente com auditores fiscais do trabalho ao fiscalizarem a atividade dos apanhadores de café no estado do Espírito Santo. Sofreram ataques de um deputado federal em discurso público na Câmara e nas redes sociais.
A agenda do governo é a da destruição do Estado. É urgente a reconstrução do edifício da democracia em território nacional, o resgate aos princípios insculpidos na Constituição Federal, a efetiva garantia dos direitos fundamentais da pessoa humana e a obediência à Lei.
Faz-se necessário e premente o soerguimento da máquina estatal, por meio da qual o Estado deixa de ser uma ficção para materializar-se, até porque a maioria dos cidadãos, especialmente os mais pobres, tem sua relação com o Estado por intermédio dos servidores públicos, e a forma como essa burocracia provê serviços e interage com a população estrutura e delimita as oportunidades de vida das pessoas.
A realidade brasileira nos remete ao crescimento urbano desordenado, à carência de trabalho no campo e na cidade, à falta de oportunidades, às dificuldades de acesso às instituições educacionais e culturais, à violência, a fome e à miséria decorrentes da política de enfraquecimento estatal, para não dizer, ausência do Estado.
Por conseguinte, deparamo-nos com os “excluídos” e os “excluídos dos excluídos” e, no intuito de minimizar esta exclusão, clama-se por um Estado em pleno funcionamento de suas instituições, com profissionais qualificados para o exercício de suas funções, preferencialmente ingressos por meio de concurso público, o que não tem ocorrido nos últimos anos.
O que se presencia é uma verdadeira implosão da máquina pública em suas principais áreas de atuação: saúde, segurança, educação, meio-ambiente, transporte, habitação. Crescem os discursos de ódio, as manifestações racistas, homofóbicas, misóginas, o armamento da população, as fake news, na tentativa de fazer crer em que o voto eletrônico pode ser fraudado, a tendenciosa interferência do Executivo no Judiciário, o qual por vezes age como legislador, um Legislativo que aprova propostas de emendas à Constituição como as famigeradas Reformas Trabalhista e Previdenciária, e quiçá a Reforma Administrativa, que só não foi aprovada porque não houve acordo dentro do governo. Todas estas propostas ferindo frontalmente direitos conquistados a duras penas pelo povo trabalhador constituindo uma verdadeira diminuição da proteção social.
Inconcebível que o próprio governo destrua o Estado, desmoronando-o por atos sem compromisso com a população. A concepção neoliberal faz as pessoas odiarem o Estado sem saber em verdade para o que serve. Entretanto, não nos esqueçamos que o Brasil ainda é uma república, res publica, do latim que significa coisa pública, do povo, do interesse comum, da sociedade, do coletivo e não de uns poucos.