O servidor público leva a vida na condição de vidraça, pois a sociedade tem o hábito de criticar, com veemência, o serviço público em geral. Poucos são os usuários que dedicam algum tempo para registrar um agradecimento, uma mensagem positiva, um elogio nos canais de atendimento. A grande maioria usa o “Fale Conosco” ou a “Ouvidoria” para cobrar agilidade, criticar ou até mesmo desabafar, mas, raramente, demonstrar satisfação.
Dias atrás um amigo que trabalha na iniciativa privada, esteve no pronto atendimento da Unimed, serviço privado de saúde, para fazer o teste de Covid e enfrentou uma fila de espera de quatro horas. Fosse no hospital público, cadeiras voariam para atingir quem está se esforçando para atender ou a polícia seria acionada. Enfim, ouvem-se sempre as mesmas queixas sobre custo do servidor, que consome parcela substancial do Erário, que não dá retorno, que é preguiçoso e não trabalha e daí por diante.
Todavia, vamos explicar, de uma forma bem didática, a importância do serviço público. Nos anos 80 e 90, era comum dezenas de pessoas morrerem ao utilizar equipamentos de hemodiálise, era comum a mulher usar a pílula anticoncepcional corretamente e, mesmo assim, engravidar ou um hemofílico utilizar um hemoderivado e contrair HIV ou Hepatite C (basta lembrar do cartunista Henfil e do seu irmão, o sociólogo Herbert de Souza). Também aconteciam escândalos, em que empresas distribuidoras de medicamentos, vencedoras de licitações públicas, forneciam medicamentos falsificados para o SUS, inclusive antineoplásicos.
Na atualidade, isto não é mais corriqueiro, porque foi criada a AVISA, com o objetivo de regulamentar, elaborando mecanismos de controle e normas técnicas e fiscalizar, zelando pela implementação e cumprimento dos mesmos, para que nenhuma contaminação aconteça e nenhum equipamento deixe de funcionar no momento de maior vulnerabilidade da população. Além destas garantias para a população, este trabalho confere valor ao produto, bem como segurança jurídica ao produtor.
Na mesma esteira de raciocínio da importância da fiscalização da ANVISA para a saúde temos a auditoria fiscal do trabalho para a população trabalhadora. O auditor fiscal do Ministério do Trabalho e Previdência Social é fundamental para as relações entre o capital e o trabalho, para o equilíbrio de forças tão díspares entre empregadores e trabalhadores.
O combate ao trabalho análogo à escravidão rural e urbano, ao trabalho infantil e as todas as formas de exploração da mão de obra em todo o território nacional está nas mãos do auditor fiscal do trabalho, bem como a implementação de políticas públicas através da inserção de pessoas com deficiência no mercado de trabalho, verificação do cumprimento da cota de aprendizes e arrecadação de FGTS, entre outras atividades.
Não há razões plausíveis para o tratamento que o servidor público vem sofrendo, já há algum tempo, tanto por parte da Administração quanto por parte da sociedade, de vez que é por intermédio dele que o Estado se personifica, pois o quadro de pessoal vem sendo, sensivelmente, reduzido e as condições de trabalho, pari passu, precarizadas.
O Ministério do Trabalho teve redução de verba orçamentária juntamente com o da Educação. Sem dotação orçamentária pouco ou nada se faz! O auditor do trabalho que roda, às vezes, mais de 1000 km para fazer uma fiscalização rural não tem diárias compatíveis para cobrir suas despesas na totalidade e luta com transporte para os deslocamento, já que quando tem viatura não tem motorista, quando tem motorista não tem combustível para o carro oficial.
Todos estes serviços não dão lucro imediato, não geram riqueza material. Vivemos num período em que prevalece a plutocracia: pouco importam estas ações de amparo, ações sociais, que trazem dignidade a pessoa humana, proporcionadas pelo pessoal da saúde ou pelo auditor do Ministério do Trabalho.
Observe-se que, apesar de relevante, como listado acima, o serviço público conta com um quadro que vai se reduzindo a cada dia que passa. Aumentam as demandas, mas o quadro só diminui, com aposentadorias e muitos abandonando a carreira para trabalhar na iniciativa privada ou ir para o exterior, abraçando uma carreira internacional, que oferecem melhores condições de trabalho e melhor remuneração e reconhecimento. Também, enfrenta-se muitos afastamentos: na ANVISA, por exemplo, servidores tem se afastado por quadros de síndrome de pânico, por conta de agressões de usuários em razão das declarações do Presidente da República, que deflagrou uma caça às bruxas aos servidores que analisaram petições para avaliação de vacinas.
Enfim, o debate é sempre necessário. Afinal da discussão nasce a luz. E o serviço público por sua importância prescinde de luz que acesa iluminará especialmente a população, parte integrante do Estado que é formado por três elementos: território, governo e população. Que a opção por mudanças seja bem estudada e debatida! Que qualquer Reforma venha sempre para beneficiar a sociedade!
Também assina essa matéria, Cecilia Antonia Barbosa, especialista em Regulação em Vigilância Sanitária – ANVISA/Santos