Se você, leitor, suportou assistir ao vídeo da reunião ministerial do dia 22 de abril, pode constatar e ter a prova de como são os bastidores de um governo que se pauta pelo terror, pela vulgaridade, pela puxa-saquismo, o gosto pelo insulto e, sobretudo, pela tentação golpista de Bolsonaro, quando disse pretender armar a população em nome de uma “liberdade” contra um inimigo que só ele acredita existir. Ao mesmo tempo, deve ter ficado horrorizado como o presidente e os ministros odeiam governadores, prefeitos, juízes do STF, deputados e parte significativa do povo. Para finalizar, nenhum debate, muito menos uma resolução sobre o combate ao coronavírus, problemas com a Educação, preservação da Floresta Amazônica, questões de infra-estrutura, crescimento e geração de empregos. Nada!
Bolsonaro
No resumo da ópera, Bolsonaro cobrou lealdade dos ministros e a defesa intransigente de suas ideias. Que os ministros não deviam se limitar a fazer a lição de casa. “Mas, se exporem”, disse. Bolsonaro xingou o governador de São Paulo de “bosta” e o do Rio, Wilson Witzel, de “estrume”. “Quem discordar, pode cair fora”, disse.
Sobre a PF do Rio, Bolsonaro disse: “Eu não vou esperar f... a minha família toda, de sacanagem, ou amigos meus, porque eu não posso trocar alguém da segurança na ponta da linha que pertence a estrutura nossa. Vai trocar! Se não puder trocar, troca o chefe dele! Não pode trocar o chefe dele? Troca o ministro! E ponto final! Não estamos aqui pra brincadeira.” Bolsonaro defendeu o armamento da população e a revogação das portarias do Exército sobre o rastreamento e controle de munições e armas. As milícias e o crime organizado agradecem.
O presidente também precisa explicar o porquê mantém um sistema pessoal de informação, além da PF, da Abin e das Forças Armadas.
Abraham Weintraub (ministro da Educação)
Falou muito pouco. E o que falou foi o suficiente para entender, de fato, quem ele é. Disse ser um “militante” das ideias de Bolsonaro e queixou-se de “intrigas palacianas”, além da “agenda própria” de muitos colegas, sem citar nomes. Não escondeu também a contrariedade em ter que negociar com os parlamentares do Centrão (o que exatamente Bolsonaro vem fazendo). “A gente tá conversando com quem a gente tinha que lutar. (...) Fico escutando esse monte de gente defendendo privilégio, teta (...) Negócio. Empréstimos. A gente veio aqui para acabar com tudo isso, não para manter essa estrutura”, insistiu. E emendou, “Eu, por mim, botava esses vagabundos todos na cadeia, começando no STF”. Em outro trecho, o ministro diz ter ódio de expressões “povos indígenas” e “povo cigano”. “Só tem um povo nesse pais, o brasileiro. Quer, quer. Não quer, saí de ré”, disse.
Ernesto Araújo (ministro das Relações Exteriores)
O ministro avaliou que a chamada globalização, nesses trinta anos, foi cega para o tema dos valores, da democracia e da liberdade. “Foi uma globalização que, a gente tá vendo agora, criou é...um modelo onde o centro da economia internacional está um país que não é democrático, que não respeita direitos humanos etc, né? O ministro, sem decoro algum, referia-se ao maior parceiro econômico do Brasil, a China.
Damares Alves (Família e Direitos Humanos)
Exaltada, a ministra alertou para o fato de que ainda há em vários ministérios “feministas abortistas” e isso não podia acontecer. Disse ainda que pedirá a prisão de governadores e prefeitos que, segundo ela, estariam adotando ações arbitrárias no combate ao coronavírus, como o isolamento social do povo.
Marcelo Álvaro Antonio (ministro do Turismo)
Nada mais bizarro quando juntam um defensor da volta dos cassinos em hotéis de luxo, próprios para encontros fortuitos entre grandes empresários, e uma terraplanista, como a ministra Damares. A conversa é certeza de boas risadas. Quando Marcelo Antonio propôs regulamentar a prática de jogos de azar (bem ao gosto do crime organizado) para tentar aumentar o número de turistas, Damares Alves, entoou: “pacto com o diabo!”. Guedes interrompeu e disse: calma, ministra, deixa “cada um se f...”.
Pedro Guimarães (presidente da Caixa Econômica Federal)
Disse que, se um policial prendesse sua filha por descumprimento das regras de distanciamento social, poderia “matar ou morrer”. “Que porra é essa? O cara vai pro camburão com a filha. Se fosse eu, ia pegar minhas quinze armas e...ia dar uma...eu ia se...eu ia morrer. Porque se minha filha fosse pro camburão, eu ia matar ou morrer”. Outra fala interessante do presidente da Caixa foi a confirmação de, ao menos, a Rede Band de TV recebe dinheiro para falar bem do governo. Há suspeitas que a Record e o SBT também recebem.
Ricardo Salles (ministro do Meio Ambiente)
Propôs que o governo aproveitasse a crise sanitária para aprovar reformas infralegais, incluindo alterações ambientais. “Precisa ter um esforço nosso aqui, enquanto estamos nesse momento de tranquilidade no aspecto de cobertura de imprensa, porque só fala de Covid, e ir passando a boiada e mudando todo o regramento e simplificando normas.” Só pra registrar, a “boiada” a qual se refere o ministro é a demissão de fiscais, anistia a desmatadores e a submissão aos militares).
Paulo Guedes (ministro da Economia)
Baixarias, agressões, injúrias e calúnias à parte, a fala que revela o ponto central do significado do governo Bolsonaro foram as proferidas por Paulo Guedes, o ministro da Economia. Em meia dúzia de frases, Guedes sintetizou e desnudou o governo Bolsonaro, ideológica e economicamente.
O que você, leitor, dono de bar, da pequena loja, da barberaria, da quitanda, da padaria, da borracharia ou de uma pequena ou média metalúrgica pensa quando ouve o ministro da Economia dizer que ele não se importa com as pequenas empresas, que hoje são responsáveis por 55% dos empregos no País e por 27% do PIB nacional? Não se trata em apoiar ou não uma política liberal ou mais social, trata-se de flagrante e deliberado abandono do povo e suas empresas à própria sorte.
Guedes afirma sem constrangimentos que (o governo) “devemos voltar às reformas estruturantes originais” e que o governo “vai ganhar dinheiro usando recursos públicos para salvar grandes companhias. Agora, nós vamos perder dinheiro salvando empresas pequenininhas”.
Parênteses: no ano passado, o governo federal investiu em subsídios e créditos para a pequena e média empresa, cerca de US$ 7 bilhões. Nesse ano, em plena pandemia, só investiu US$ 5 bilhões.
Mas, para os bancos, o governo já injetou US$ 214 bilhões (ou R$ 1,2 trilhão). Guedes é um ardoroso defensor do fim dos investimentos do Estado e das políticas públicas e sociais, para dar lugar ao investimento privado. Mas, deixou claro que é preciso tomar cuidado com os chineses. “A gente sabe que eles estão na questão geopolítica de um lado, a gente está de outro, mas são eles que compram nossa soja, eles precisam comer, mas é só isso”. Privatista, Guedes sugeriu livrar-se do maior Banco autárquico da América Latina, o Banco do Brasil, “Vamos vender logo essa p...logo”, disse, raivoso.
Em seguida, o ministro tratou os governadores, prefeitos e deputados e servidores públicos como inimigos. Ao falar sobre arrumar as contas, diz que seriam necessários passos para destruir o que ele chama de “três torres do inimigo”; corte de gastos previdenciários, corte dos juros e congelamento dos salários do funcionalismo (uma “granada no bolso do inimigo”, como disse). A única preocupação; a reeleição de Bolsonaro. “Com as contas arrumadas, o presidente vai se reeleger e aí, não tem jeito de fazer impeachment”, disse. No entanto, Guedes criticou alguns ministros (sem citar nomes) que estariam “querendo aparecer”, porque estavam de olho nas eleições.
Sérgio Moro (ministro da Justiça e Segurança Pública)
Moro limitou-se a uma ou duas frases durante toda a reunião. Testemunhou calado tudo o que foi dito (e passíveis de investigação criminal). Deveria ter feito advertências das práticas e declarações criminosas. Mas, se omitiu. Prevaricou. Saiu da reunião com o presidente da República para “outros compromissos”, como disse depois.
Vice e os ministros militares
Diante da enxurrada de ilegalidades, aleivosias e de crimes premeditados cometidos na reunião, o vice-presidente Gal. Hamilton Mourão, o Ministro da Casa Civil, Walter Braga Neto, e o Gal. Augusto Heleno (do Gabinete da Segurança Institucional) seguiram a mesma prática de Moro, limitaram-se a ouvir e, no máximo, expressar leves sorrisos.