Uma das maiores escritoras do país, Carolina Maria de Jesus (1914-1977), nasceu em Sacramento (MG), mas foi na Zona Norte de São Paulo que viveu a maior parte de sua vida. Carolina morou na considerada primeira ocupação urbana do país. A favela do Canindé, localizada as margens do Rio Tietê, onde é hoje o Estádio da Portuguesa de Desportos.

A mulher negra, com a escolaridade apenas das séries iniciais, sustentava seus três filhos catando papel e papelão pela cidade. Nas horas vagas, retratava sua rotina em “diários”. Essas crônicas não só expunham seus dias, mas também, a miséria, os abusos, os preconceitos sofridos por ela, sua família e os moradores da região.

Certa vez, o jornalista Audálio Dantas, ao fazer uma reportagem exatamente na “favela do Canindé”, ouviu Carolina dizer em alto e bom som que transformaria em personagens em seu livro de memórias, algumas pessoas com que discutia numa praça próxima à favela. 

Intrigado, o jornalista iniciou conversa com Carolina e descobriu seus inúmeros cadernos de anotações que narravam seus dramas cotidianos.

Esse encontro rendeu a publicação do primeiro livro de Carolina Maria de Jesus, “O Quarto de Despejo: Diário de uma Favelada”, de 1960. O livro foi um sucesso imediato.

Após esse lançamento, ocorreram mais três edições, com 100 mil exemplares vendidos e traduzidos para 13 idiomas, em mais de 40 países, segundo a Agência Brasil.

Com o sucesso do livro, Carolina de Jesus muda-se do Canindé para Santana. Nesse processo, publicou mais três livros: “Casa de Alvenaria: Diário de uma ex-Favelada”, de 1961; “Pedaços de Fome”, de 1963; e “Provérbios”, também de 1963. Depois de alguns anos, muda-se para Parelheiros, em uma casa no alto de uma colina. Segundo ela, “o sonho de sua vida”.

Depois de sucesso de publicações, a escritora, passou a negar os constantes assédios da mídia para escrever coisas que ela não queria. Por isso, com o passar dos anos, foi sendo abandonada pela mesma mídia. Somente alguns anos depois da sua morte, sua obra foi revisitada e com edições póstumas: “Um Brasil para brasileiros”, de 1982; “Diário de Bitita”, de 1986; “Meu estranho diário” e “Antologia Pessoal”, ambos de 1996. Suas histórias também foram adaptadas para a televisão e teatro no Brasil e no mundo. Aos 62 anos, devido à asma, foi vítima de uma crise de insuficiência respiratória, em 13 de fevereiro de 1977.

Segundo Tom Farias, autor do livro “Carolina: uma biografia”, de 2018, Carolina de Jesus é a brasileira negra mais publicado no mundo.

A existência de mulheres como Carolina Maria de Jesus é fundamental, uma vez que o acesso aos livros e, principalmente, o ofício da literatura são reservados, na esmagadora maioria das vezes, aos homens brancos, com refinamento educacional e de alta posição social. Só para compreender a dimensão, quando Carolina nasceu, a lei de Abolição da Escravidão no Brasil ainda não tinha 30 anos. Ter a figura pública, ainda nos anos 60, de uma mulher, negra, mãe, pobre e marginalizada é impactante. É um retrato fiel das classes mais sofredoras e lutadoras desse país. Pessoas como Carolina, não deixaram que os outros falassem por elas. Elas falam, se impõe e transformam. 

Leiam Carolina Maria de Jesus!

 

Thaís Linhares

Cientista Social e mestranda da Unesp


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