Ao tecer sobre o cruel assassinato de João Freitas, homem negro morto por funcionários do Carrefour, em Porto Alegre, RS, o presidente Bolsonaro negou a existência de conflitos raciais no Brasil. Na questão racial, ele tem sido coerente: o racismo estrutural é um mito, ao passo que a democracia racial descreve a realidade.

A posição do governo federal certamente gera preocupações no contexto da revisão da Lei de Cotas, em vigor desde 2012. Esta vitória histórica do movimento negro assegurou a presença de amplos contingentes historicamente excluídos em instituições do ensino superior. A partir de sua implementação, a população negra nas universidades quadruplicou, num processo rumo à deselitização da universidade pública e que aumenta as possibilidades de obter emprego na área de estudo. Estas mudanças e avanços têm sido descritos como uma verdadeira “revolução silenciosa”. Mas agora é justamente tudo isso que está em risco.

Em linhas gerais, há três possibilidades para a revisão da Lei de Cotas: ser encerrada, mantida ou reformada. Talvez, encerrar essa legislação possa ser muito custoso para o governo federal, embora seja uma possibilidade real. A segunda possibilidade, a de manter as ações de políticas afirmativas como estão, tem sido expressas através de projetos, em apreciação no Congresso Nacional, para postergar a revisão para 2032 ou para uma data ainda mais distante. Mas o fato é que manter a lei do jeito que está não pode ser considerado exatamente uma vitória.

Primeiro, o empobrecimento generalizado da população brasileira, fruto das políticas econômicas do governo federal, aumentará o abandono da escola. Alguns estudos recentes tem indicado um aumento na evasão escolar, sendo que crianças e adolescentes negros são proeminentes entre a população em idade escolar forçada a largar os estudos.

Mas a situação é complicada mesmo para aqueles que prosseguem os estudos. Com a implementação do Novo Ensino Médio, os itinerários formativos não foram e sequer foram pensados para preparar o estudante àquilo que os vestibulares demandam (se o vestibular deveria existir, mas isso é outra conversa). Além disso, o governo federal implementou reformas no ProUni, possibilitando que estudantes de escolas particulares possam se inscrever no programa. Ao mesmo tempo, testemunha-se o estrangulamento das universidades federais e uma severa diminuição da verba destinada às políticas de permanência.   

A explícita intenção do governo federal em diminuir a população universitária – quem não se lembra do ministro Milton Ribeiro afirmando que a universidade deve ser para poucos? – terá um direito impacto sobre a população negra, possivelmente esvaziando os avanços da Lei de Cotas.

Por fim, é evidente que a mobilidade social, via ensino superior, alcançou o seu limite. Hoje, não é incomum encontrar pessoas com mestrado ganhando pouco mais que um salário mínimo.

Portanto, o combate à desigualdade social/racial demanda novas respostas e estratégias. 

Autoria
Samuel Rocha - Graduado em História pela UNIFESP. Tem mestrado em História Social pela mesma instituição. É professor da rede municipal de São Paulo.
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