Os recentes ataques à ciência e à universidade pública no Brasil trouxeram à baila a discussão sobre a fuga de cérebros, ou seja, pesquisadores talentosos que migram para o exterior em busca de oportunidades inexistentes por aqui. Trata-se de uma situação preocupante, afinal de contas não se perde mão de obra tão qualificada impunemente, isto é, sem impactos na trajetória econômica.

Se antes havia profusão de concursos para ser professor universitário e bolsas de pesquisa à beça, agora o contraste é brutal: sem financiamento ou mesmo sem o reconhecimento de que a pesquisa é trabalho, pós graduandos também enfrentam um contexto de superprodução de doutores, sem qualquer expectativa de carreira acadêmica por aqui. Portanto, o exterior se torna uma opção, talvez necessidade, para quem não se vê profissionalmente fora da universidade.

Nos EUA, por exemplo, jovens pesquisadores realizam mestrado e doutorado com financiamento. Cortes bruscos, como o do orçamento do CNPQ, cuja verba caiu 92%, são impensáveis. Todavia, a perspectiva acadêmica não é nada brilhante assim que se termina o doutorado. A taxa de recém doutores desempregados nos EUA é assustadora. Se eu li corretamente, uma pesquisa recente da Nacional Science Foundation indica que 80% dos recém doutores do campo de ciência da natureza ou não conseguiram colocação profissional ou obtém pós-doutorado, no geral com baixa remuneração. E as possibilidades para historiadores não parecem diferentes: li relatos recentes de doutorandos em História de programas americanos prestigiosos afirmando que turmas inteiras estão se preparando para ter carreira profissional fora da academia.

Talvez haja local para fugir para professores já lotados nalgum departamento de alguma universidade pública por aqui que, sem verba das agências de pesquisa nacionais, consegue uma colocação e financiamento em universidades estrangeiras. Mas sem o trabalho dos doutorandos, boa parte dos docentes em universidades americanas não conseguiriam realizar suas pesquisas. E aqui, já vemos um elemento que compõe a lógica atual de super produção de doutores: mão de obra barata e super qualificada.

De fato, há uma quantidade de doutores maior do que a oferta de emprego, seja aqui ou nos EUA. Naturalmente, isso torna a possibilidade de conseguir um emprego acadêmico minimamente estável extremamente difícil.

A pergunta “o que eu irei fazer agora para sobreviver?” é certamente assustadora. A possibilidade de realização de doutorado no estrangeiro não aponta para um futuro profissional garantido, mas apenas posterga a pergunta. E quando, finalmente, ela se torna inevitável, numa hipótese favorável, ela fica em suspenso, dada a sucessão de empregos temporários e precários possíveis ao recém doutor.

Simplesmente, não há lugar para fugir. A degradação generalizada da condição dos trabalhadores está sendo intensificada atualmente. Nada de novo sob o capitalismo.

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Autoria
Samuel Rocha - Graduado em História pela UNIFESP. Tem mestrado em História Social pela mesma instituição. É professor da rede municipal de São Paulo.
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