Eu topei com o tema, ao ler um ensaio de Luiz Felipe de Alencastro, no qual ele relatava que, com a intensificação do tráfico interprovincial, após 1850, podia calhar de aparecer alguns cativos brancos. Você leu correto: escravos brancos!

Mas como compreender o fenômeno dos cativos brancos à luz da racialização do cativeiro no Brasil? De que maneira foram desenvolvidas as classificações raciais no período escravista? O que tornou possível a existência de escravos brancos?

Não tenho a pretensão de responder a tais questões. Mais modestamente, comentarei o artigo “Escravos brancos no Brasil oitocentista”, de Marcus Vinícius Freitas Rosa, publicado no último número da “Afro-Ásia”, cuja leitura recomendo. Em linhas gerais, Freitas Rosa argumenta que este fenômeno foi numericamente marginal perto do contingente de escravizados no Brasil, embora tenha recebido atenção desproporcional como atesta o romance Escrava Isaura, transformado numa exitosa novela anos atrás.

Esta atenção esteve relacionada justamente à percepção da opinião pública de que brancos jamais deveriam ser reduzidos ao cativeiro. Não por acaso, assim que era tornada pública a existência de escravos brancos num dado lugar, era extremamente comum a criação de campanhas para levantar fundos para alforriá-los. Tais ações não eram antiescravistas. Ao contrário, elas visavam manter hierarquias raciais existentes, afinal de contas, como deixaram claro inúmeros publicistas do período imperial, o cativeiro deveria ser exclusividade da população negra. Em contraste, a existência de cativos negros não causava a mesma comoção ou indignação. Portanto, longe de desafiar o argumento sobre a racialização da escravidão, estes esforços o reforçam.

De acordo com Freitas Rosa, foi o relacionamento de mulheres escravizadas com senhores ou brancos livres, no geral marcado pela violência, que acabou criando o fenômeno dos escravos brancos – que se tornou mais importante com a proibição do tráfico atlântico em 1850. Isso é indicativo da dinâmica de classificação racial, afinal, eles poderiam ser classificados como “mulatos” ou “pardos”, mas a pigmentação da pele tornou-se um fator mais decisivo do que o fato deles descenderem de mulheres negras. Este processo de hierarquização no interior do processo de miscigenação não foi superado e continua sendo uma realidade no nosso presente.

A expressão “escravo branco” também foi empregada para se referir a relações de trabalho na qual imigrantes portugueses foram submetidos à exploração agrícola e doméstica – processo este iniciado na década de 1830. No pós Abolição, mesmo quando trabalhadores negros foram submetidos a situações similarmente degradantes, os publicistas do período não inundaram a opinião pública com denuncias de continuidade de práticas da escravidão.

O que era “escravidão” para o branco, tornou-se “trabalho livre” para negros.

Autoria
Samuel Rocha - Graduado em História pela UNIFESP. Tem mestrado em História Social pela mesma instituição. É professor da rede municipal de São Paulo.
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