Um avanço significativo, ainda que parcial até o momento, no combate ao feminicídio no Brasil. Assim posso classificar a decisão desta sexta-feira (26) do ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal (STF).  Ele considerou inconstitucional a aplicação da tese de “legítima defesa da honra” em processos criminais envolvendo feminicídio.

A decisão atende a ação judicial movida pelo Partido Democrático Trabalhista (PDT), mas ainda deverá ser apreciada pelo plenário do STF em sessão prevista para a próxima semana.

De acordo com levantamento realizado pelo PDT, desde 1991 se intensificou no País o uso do argumento pelos advogados de defesa para “proteger a honra” dos réus diante das vítimas assassinadas. A Constituição Federal de 1988 aboliu essa tese, mas brechas na lei são aproveitadas por advogados.

Em sua decisão, porém, o ministro do STF afirma que a justificativa utilizada também em tribunais criminais “contraria princípios da dignidade da pessoa humana, proteção à vida e igualdade de gênero”. E ainda em seu voto considerou que “a chamada legítima defesa da honra não encontra qualquer amparo ou ressonância no ordenamento jurídico”.

E acrescenta que essa justificativa contribui “imensamente para a naturalização e a perpetuação da cultura de violência contra as mulheres no Brasil”.

Se confirmado pelo plenário do STF, advogados de defesa não poderão mais usar a tese em qualquer fase processual ou perante o tribunal do júri, “sob pena de nulidade do ato e do julgamento”.

Um caso histórico de feminicídio e de grande repercussão ocorreu em 1976, em Cabo Frio (RJ), quando Ângela Diniz foi assassinada por seu companheiro, o empresário Raul Fernando do Amaral Street, mais conhecido como “Doca Street”.

Na época, o advogado utilizou o argumento de “legitima defesa da honra” para tentar absolvê-lo. Após muita polêmica e reação dos movimentos feministas, Doca Street foi condenado há 15 anos.   

Dados mais recentes revelam que, no primeiro semestre do ano passado, em plena pandemia, 1890 mulheres foram mortas de forma violenta no Brasil. Desses crimes, 631 são feminicídios.

Apesar dessa vitória da luta das mulheres com a possível eliminação definitiva dessa aberração jurídica, há um longo caminho a percorrer contra esses índices vergonhosos em nosso País.

* Juliana Cardoso é vereadora (PT), vice-presidente da Comissão de Saúde da Câmara Municipal de São Paulo.