O agravamento da pandemia da Covid no Brasil fica evidente com os números que recebemos diariamente. Eles são assustadores, principalmente, na contagem dos mortos, e não deixam de ser retratos da nossa tragédia.
O Brasil ultrapassou a triste marca de 389 mil óbitos no último fim de semana. São mais de 3.000 vidas que se foram por dias seguidos. Muitas delas poderiam ser evitadas, não fosse o negacionismo e a omissão do governo federal no combate à pandemia.
Após insistência, tivemos acesso a dados que mostram onde vivem as pessoas infectadas, e as que vieram a óbitos, pela doença, até março deste ano, nos 96 distritos da cidade. Essa tabela não era disponibilizada pela Secretaria Municipal de Saúde desde o ano passado.
De imediato, se observa que o impacto das mortes é maior na população mais vulnerável. Isso mostra que, se a contaminação da doença é bem distribuída, as suas consequências, porém, são bastante diferenciadas e desiguais.
Dos 11 distritos com os maiores números de óbitos na cidade, 10 estão localizados na periferia. Apenas um deles, o Sacomã (zona sudeste) está na área do centro expandido.
Em quarto lugar no ranking com 397 mortes, o Sacomã abriga a Favela de Heliópolis, a mais populosa de São Paulo. Em seus 18 mil imóveis vivem cerca de 200 mil habitantes.
Na ponta da tabela está o Sapopemba (zona leste) com 557 mortes, seguido da Brasilândia (zona norte) com 427 e de Cidade Ademar (zona sul) com 406. Até o 11º lugar, com exceção do Sacomã, se sucedem outros distritos que têm em comum o fato de pertencerem à periferia.
E o que eles todos também têm em comum para agravar a situação e se tornarem focos de transmissão da doença com registros de crescimento exponencial da doença?
Não é preciso se aprofundar para perceber que esses distritos, em sua esmagadora maioria, se constituíram como bairros dormitórios da cidade. Eles comportam habitações precárias e instalações com espaços reduzidos para a convivência familiar. Essas condições não favorecem o isolamento necessário em casos de pessoas positivadas.
Também sem estrutura física para fazer o distanciamento social e sem recursos para tal finalidade, os moradores da periferia necessitam deixar seus lares todos os dias em busca de sustento econômico da família.
E nessa busca, qual a situação que enfrentam? O sistema de transporte público da cidade opera com linhas de ônibus, de metrô e de trens da CPTM lotados.
Esse é o dilema cotidiano de milhões de paulistanos. Como conseguir ficar em casa se o governo não oferece suporte? Ou melhor, com 150 reais de auxílio emergencial em três parcelas é impossível uma família conseguir enfrentar a pandemia?
Ciente desse problema crucial, o governo federal explora esse fato nas suas redes sociais para atacar governadores e prefeitos. Bem ao seu estilo autoritário, procura tirar a sua responsabilidade.
Além disso, nega a ciência, ridiculariza a doença, faz propaganda de remédios sem comprovação médica e ainda boicota a vacina.
De volta à questão dos números, outros dados recentes trazem mais preocupação. A BBC News Brasil divulgou semana passada estudo de duas pesquisadoras da USP que mostram o impacto desse auxílio emergencial de valor ínfimo.
Esse auxílio não ajuda a combater a pobreza que, conforme a pesquisa, vai atingir 61 milhões de brasileiros ainda em 2021. E deixará 19,3 milhões na extrema pobreza.
Em resumo. Assistimos no Brasil as tragédias de dois crescimentos exponenciais de números: os de óbitos da Covid e de brasileiros empobrecidos a caminho da miséria.
Depois dos governos petistas, quando chegamos à Fome Zero, programa que ganhou aplausos em todo o mundo, o País caminha para esse retrocesso. Muitas mortes da Covid e de fome que poderiam e podem ser evitadas.
* Juliana Cardoso é vereadora (PT), vice-presidente da Comissão de Saúde da Câmara Municipal de São Paulo e integrante da Comissão de Defesa dos Direitos da Criança.