Está em cartaz no Cine Posto 4, em Santos, “Onoda: 10 Mil Noites na Selva”, produção franco-japonesa de 2021, dirigido por Arthur Harari. O filme retrata a história real do Oficial da Inteligência do Exército japonês, Tenente Hiroo Onoda, esquecido na Ilha de Lubang, Filipinas, que, por quase 30 anos, resistiu bravamente acreditando que a Segunda Guerra Mundial (1939-45) ainda não havia acabado.

Chama atenção que, ao longo desses anos, Hiroo teve acesso a diversos avisos do final da Guerra, mas o oficial não acreditava. Na verdade, ele considerava que qualquer um desses avisos não passava de estratégia inimiga, cheia de códigos, para desmobilizá-lo de seu objetivo; proteger a Ilha.

Onoda acreditava, por exemplo, que os folhetos que lhe eram entregues pelas equipes de busca sobre o final da Guerra eram falsos, assim como os seus familiares estavam sendo forçados pelos inimigos a mentirem para ele. Onoda acreditava também que outras ações militares na região, como a Guerra da Coreia, por exemplo (1950-53), fossem ofensivas do Exército Imperial japonês para resgatá-lo.

O resistente soldado japonês só aceitaria “render-se” se ouvisse do próprio general que o designou àquela missão, que a Guerra havia terminado e já era hora de baixar armas.

Assistindo ao filme, não é difícil fazer um paralelo com o Brasil dos últimos anos. Temas como nacionalismo, ideologia de patriotismo, fake news e a deturpação da realidade estão cada vez mais em evidência.

Desde que perdeu a última eleição presidencial, uma parcela significativa dos eleitores de Jair Bolsonaro não aceita e não acredita no resultado das urnas. Milhares de fanáticos permaneceram por mais de dois meses acampados em vigília na frente de diversos quartéis generais espalhados pelo país. Diziam esperar por uma atitude ou resposta mais radical dos militares sobre a nova presidência; não acreditaram quando Lula foi diplomado no Congresso Nacional (chegaram a dizer que Lula havia falecido e que um sósia ocupava o seu lugar). Enquanto “a ação efetiva” não vinha, enxergavam códigos em tudo o que o ex-presidente e a cúpula do antigo governo postavam nas redes sociais. Em um vídeo de Jair Bolsonaro tomando café da manhã, bolsonaristas contaram a quantidade de copos (como se fosse uma dica para a quantidade de dias para a tal ação efetiva); a faca que passava na manteiga; as pontas dos dedos de Bolsonaro que burilavam o controle remoto da TV (como se Bolsonaro estivesse dizendo que ainda estava no comando). Um vídeo viralizou com bolsonaristas comemorando a posse que não aconteceu, mesmo que estivessem vendo Lula subir a rampa. Outras publicações nas redes sociais diziam que a diplomação de Lula era inconstitucional porque foi feita na Câmara dos Deputados e presidida por Rodrigo Pachego (presidente do Congresso); que a faixa presidencial era falsa e, por isso, a posse era inválida e, para o requinte da realidade paralela, que medidas provisórias estavam sendo despachadas pelo General Heleno de dentro do Palácio do Planalto.

Enfim, os fanáticos viam mensagens subliminares em todos os lados para explicar os motivos da demora da ação efetiva. Os dias se passaram, o Brasil perdeu a Copa, foi o Natal, o Ano-Novo e eles continuaram em frente aos quartéis, esperando pelo golpe. Angustiados, foram às vias de fato no dia 8 de janeiro.

Se por um lado corria nas veias do soldado japonês Hiroo Onoda a honra, a glória e a fidelidade a uma determinada missão que o transformou num fanático incapaz de entender a realidade que o cercava, corre nas veias dos fanáticos bolsonaristas a intolerância à diferença, a violência como método e a dissonância congnitiva, quando param de acreditar em fatos para chafurdarem-se em um mundo paralelo que explique e comprove suas crenças.

Assim como Onoda só acreditaria sobre o fim da Guerra e da sua rendição se o seu então superior de patente o avisasse, os “10 mil onodas brasileiros” acampados só acreditariam na derrota de Bolsonaro se um general assim o dissesse.

Os militares, claro, não o fizeram. Mas, diante dos atos terroristas em Brasília, aos fanáticos restou um único caminho; a Justiça.

Ah! Hiroo Onoda, depois de ouvir, em 1974, seu “general” ler os termos de rendição do Japão, que pôs fim à 2ª Guerra, mudou-se para o Mato Grosso do Sul (aqui, mesmo!) para viver por 10 anos ao lado de seu irmão, criando gado de corte. Famoso, recebeu, em 6 de dezembro de 2006, a medalha de mérito Santos-Dumont da Força Aérea Brasileira, e, em fevereiro de 2010, o título de “Cidadão Sul-mato-grossense”, na Assembleia Legislativa do Estado. Em 1985, Onoda voltou para o Japão, mas continuou a visitar seu irmão de vez em quando, até falecer, em 16 de janeiro de 2014, em Tóquio, Japão, aos 92 anos.

Autoria
Thais Linhares é mestra em Ciências Sociais pela UNESP, professora da rede estadual de ensino e colaboradora do CCN Notícias
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