Imagine você, leitor, abrir o seu whatsapp agora e ler um texto enviado por um amigo em que confia, dizendo que ele está eufórico e ansioso porque alguém disse para ele que o TriMais, da Av. Francisco Ranieri, 834, no Lauzane Paulista, está promovendo uma super oferta dos seus produtos, com até 80% de desconto, devido ao relaxamento da quarentena e a reabertura do mercado. Mas, a promoção só seria válida por 24 horas. Imagina o que aconteceria?
Imagine também o que aconteceria se alguém dissesse no seu facebook que soube por outro alguém que toda a rede Drogaria São Paulo decidiu abrir suas portas, também por 24 horas, e distribuir Cloroquina e Hidroxocloroquina de graça!
Certamente, o caos estaria estabelecido. Filas quilométricas, empurrões, agressões, invasões, quebra-quebra, gente machucada. Tudo isso, após os comerciantes, apavorados, tentarem negar as ofertas. Claro, porque as notícias eram falsas, mentirosas.
No entanto, por mais absurdo que isso possa parecer, a divulgação de notícias falsas é mais comum do que se imagina. As chamadas “fakenews” são disseminadas já há muito tempo e todas com objetivos escusos.
Assim como uma notícia falsa pode destruir uma loja e machucar pessoas, a sua divulgação, pode também formar opinião e interferir negativamente em vários setores da sociedade, como na política, na saúde ou na segurança pública.
Vem de longe
Essa prática hedionda não é nova. Mas, foi com o advento das redes sociais que uma mentira divulgada como se fosse verdade se popularizou. E isso é crime. O mais famoso boato repetido muitas vezes até virar “verdade” foi a prática criminosa que os nazistas fizeram contra os judeus na Segunda Guerra Mundial, quando mais de 20 milhões de pessoas morreram vítimas das mentiras nazistas.
Os motivos que levam alguém a divulgar hoje notícia falsa são muitos; sensacionalismo para atrair visibilidade em sites e, assim, atrair publicidade digital ou, simplesmente, para criar e reforçar pensamentos, geralmente vinculados ao preconceito ou ao ódio de classe, gênero, sexo, crença religiosa ou objetivos políticos. Dessa maneira, reputações são jogadas na lama, prejuízos comerciais e empresariais imensos são deflagrados ou fraudes políticas cometidas.
Esses criminosos são difíceis de serem localizados. Primeiro, que é novidade e ainda não há uma legislação que regule a prática e a utilização das redes sociais. Segundo, pelo modo como os espalhadores de boatos agem na internet. Existe um lugar na rede que não é indexada pelos mecanismos de busca, ficando oculta ao grande público.
A coisa funciona assim: o criminoso cria uma página na internet e um robô, também criado pelo criminoso, fica responsável por disseminar o link da notícia falsa nas redes sociais. Quanto mais o assunto é mencionado nas redes, mais o robô atua, chegando a disparar informações a cada dois segundos, o que é humanamente impossível, o que leva a crer nos altos custos despendidos na operação criminosa. Assim, pessoas reais, como você, leitor, ficam vulneráveis a essas informações mentirosas. Mas, como você é induzido a acreditar na informação, você acaba espalhando a mentira pra frente.
As consequências são devastadoras. Em 2014, uma moradora do Guarujá, acusada por uma “fakenews” de ser bruxa, foi linchada, por isso, até a morte. Em 2018, depois da greve dos caminhoneiros, que durou 11 dias, e provocou desabastecimento de vários produtos, uma notícia falsa sobre nova greve gerou tumultos, filas em postos de gasolina e nos supermercados, porque as pessoas temiam pelo pior.
Na política e nas eleições
Na disputa política, o expediente da “fakenews” é bastante utilizado. Principalmente, quando é para destruir reputações de opositores, desacreditar suas ideias ou a do partido que representa, no claro objetivo de prejudicar a sua provável eleição. Ou, ao contrário, construir uma imagem benéfica a um determinado candidato, baseado em boatos e em notícias falsas, elevando-o à condição de “ser supremo” e estar “acima do bem e do mal”.
Quem não se lembra das informações mentirosas da existência da “Mamadeira de Piroca”, ou de um “Kit Gay”, na campanha eleitoral de 2018? Quem não se lembra de que Jair Bolsonaro teria se transformado num “enviado de Deus”, no “Mito”.
O combate às fakenews
A batalha para prevenir, identificar e punir os autores de boatos na rede ainda é uma tarefa muito difícil. O jeito é, você, leitor, quando estiver diante de uma notícia bombástica, recue, pense e pesquise antes de passa-la para frente.
Hoje, quando o Brasil vive a mais séria e grave pandemia do novo coronavírus e muitas notícias falsas são divulgadas (70% das informações da Fiocruz, por exemplo, são distorcidas e manipuladas nas redes sociais, conforme apontou investigação da CPMI), é bom tomar todos os cuidados possíveis. Um exemplo é a divulgação de remédios milagrosos que curam a Covid-19, sem que tenham a mínima certificação do Ministério da Saúde ou de organizações internacionais.
O Google lançou um alerta que dá acesso a notícias, dicas de segurança e outras orientações numa sessão específica dentro do seu serviço de notícias, o Google News. Agências de checagem de informação estão atuando para orientar você, leitor, quanto a veracidade da informação, acesse e confira: htpps://aosfatos.org ou htpps://Piaui.folha.uol.com.br/lupa.
Inquérito no STF
Diante das acusações, ameaças e notícias falsas contra ministros do Supremo Tribunal Federal e seus familiares, corre em sigilo no Supremo um inquérito para detectar, apurar a veiculação, identificar e punir os autores dessas notícias falsas. A Polícia Federal já realizou uma série de mandados de busca e apreensão nesse sentido. Quem preside o inquérito é o ministro Alexandre de Moraes, que expede as ordens à polícia.
Entre os “investigados” estão apoiadores de Jair Bolsonaro, como o empresário Luciano Hang, fundador da Havan, o deputado estadual Douglas Garcia (PSL), a militante Sara Winter, o empresário Edgar Corona, presidente da Smart Fit, os blogueiros Winston Lima e Allan dos Santos, e o presidente nacional do PTB, o ex-deputado federal Roberto Jefferson. A Policia Federal suspeita de Carlos Bolsonaro, filho do Presidente, como coordenador das “fakenews” contra o Congresso e o STF. Outro filho do presidente, Eduardo Bolsonaro, também é investigado nessas atividades criminosas. As investigações da PF sobre a família Bolsonaro teria sido fator determinante para que o presidente interferisse na direção da Polícia Federal do Rio de Janeiro, conforme denunciou o ex-ministro Sérgio Moro.
CPMI e TSE investigam
No Congresso, deputados e senadores também instalaram uma Comissão Parlamentar Mista de Investigação (CPMI) para apurar as denúncias de “fakenews”.
Tudo começou quando o PSL, partido bolsonarista, dividiu-se. Os primeiros a confirmarem e a mostrarem provas das “fakenews” dos bolsonaros contra políticos opositores foram os deputados Alexandre Frota, hoje no PSDB-SP, e Joice Hasselmann (PSL-SP). Esta última, também foi acusada por ex-funcionários do seu próprio gabinete de ser mandante e produtora de “fakenews”.
O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) também analisa ações impetradas por partidos e instituições requerendo, após a conclusão das investigações, a cassação da Chapa Bolsonaro-Mourão. Uma dessas ações é, justamente, o ato ilegal das “fakenews” que teriam formado a opinião pública, o que justificaria a denúncia de fraude.
Se a Chapa for cassada, quem assumiria a presidência da República, seria o presidente da Câmara Federal, Deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), que teria 60 dias para convocar novas eleições para um mandato tampão, até 2022.
O fato é que “fakenews” é crime. Disseminar a notícia falsa também é crime. E seus mandantes, financiadores e elaboradores devem ser punidos exemplarmente.
Sérgio dos Santos
Jornalista