Foi com grande pesar que recebi a notícia do falecimento da artista e cantora Elza Soares, nessa quinta-feira, 20/1, aos 91 anos de idade. Segundo sua assessoria, que publicou nota nas redes sociais, sua morte foi por causas naturais.

Eleita a melhor cantora brasileira do milênio pela BBC de Londres, em 1999, Elza Soares foi indicada três vezes ao Grammy Latino (em 2003, 2018 e 2020) e vencedora do prêmio, em 2016, por “Mulher do Fim do Mundo”.

Elza Soares começou a cantar para tentar salvar a vida do seu filho mais velho, João Carlos, que estava morrendo, devido a desnutrição. Já tinha perdido outros dois filhos (Elza teve oito filhos na vida) para a fome e não tinha recursos para cuidar deles. Inscreveu-se no programa “Calouros em Desfie”, comandado por Ary Barroso, na Rádio Nacional do Rio de Janeiro. Ao subir no palco, a plateia riu de sua aparência, já que pesava apenas 32 kg e vestia as roupas de sua mãe com mais de 60kg. Ary Barroso, jocosamente perguntou: “De que planeta você veio?”. Elza respondeu: “Do mesmo planeta seu”. Ary rebateu; “Mas isso é um desrespeito! Qual é o meu Planeta?” E a resposta de Elza foi surpreendente: “Do Planeta Fome”. Ary Barroso e a plateia calaram-se ensurdecedoramente. Elza cantou “Lama”, venceu o concurso, salvou seu filho e deu uma aula de civilidade e cidadania. Planeta Fome foi nome de um dos seus vários discos, lançado em 2019.

No entanto, a fome e o racismo, algumas das mais terríveis mazelas brasileiras, a acompanhariam por muito tempo. Elza Gomes da Conceição, mulher negra, nasceu na favela da Moça Bonita, atualmente Vila Vintém, no bairro de Padre Miguel, no Rio de Janeiro. Fez da sua realidade, a arte de cantar, de forma afinada e singular, em favor de uma sociedade sem racismo, sem fome, machismo e mais justo para a população negra.

Em 2015, lançou o 32º álbum com músicas inéditas e com o forte título “Mulher do Fim do Mundo”, premiadíssimo e celebrado pela crítica.

Em 2018, lançou o disco “Deus é Mulher”, Mostrou que a nossa Elza não tem medo de falar sobre política, racismo, religião e sociedade. E talvez tenha rendido o seu melhor trabalho musical.

Ao todo, Elza Soares lançou 34 discos que caminharam do jazz ao samba, do hip hop à MPB, da eletrônica ao pop. Com uma voz inconfundível, uma cantora que foi enredo da Escola de Samba da Mocidade Independente de Padre Miguel, no Carnaval de 2020.

Elza Soares foi além da música. Uma artista sem rótulos e um ícone da cultura nacional.

“Eu sou muito pirada, eu sou uma criatura muito viva, muito ativa, acho que tudo que está na minha cabeça tem que acontecer, eu quero pular corda, eu quero estar feliz, eu quero malhar, eu quero acordar cedo, eu quero... entendeu?”, disse em uma de suas entrevistas.

Obrigada Elza Soares.

Autoria
Anatalina Lourenço é sócia-fundadora do CCN Notícias. É Cientista Social formada pela UNESP; Secretária Nacional de Combate ao Racismo da CUT e Professora da rede pública estadual e municipal de São Paulo. Ativista do movimento de mulheres negras.
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