Nas últimas semanas, estamos acompanhando eventos extremamente impactantes. Mortes, destruição e sangue se tornaram banais em nosso cotidiano. Claro que não venho aqui defender a OTAN, os Estados Unidos ou o governo de Zelensky e seus “amigos” nazifascistas. Contudo, é perceptível que muitos de nós estamos essencializando a figura de Putin, como se ele trouxesse e representasse o passado de glória soviética ou o marxismo. Assim, vejo a necessidade de questionar: De quem estamos falando?
Putin governa a Rússia desde 2000 e vem adotando posturas reacionárias nos últimos anos. Justificando-se pela velha batalha Ocidente x Oriente, ele alega que os valores de seu povo vêm sendo atacado por um grupo de degenerados (familiar, não?). Claro que a expansão estadunidense no Leste europeu traz consigo a imposição de modelos de vida e padrões culturais, o que gera, legitimamente, uma série de preocupações por parte de uma parcela considerável da população russa, quanto de pessoas que analisam e identificam os interesses por trás da expansão territorial da OTAN. Esse processo faz com que Putin seja desenhado como um líder da resistência ao avanço do “American way of life”. Entretanto, repito: De quem estamos falando?
O presidente russo não representa as esquerdas (russas ou de outros países) e muito menos os teóricos que tanto lemos. Além de tecer críticas à União Soviética em diversos momentos e de flertar com a elite local, ele se apoia em setores ultraconservadores da Igreja Ortodoxa Russa para perseguir LGBTs e feministas e realizar uma cruzada contra aqueles que queiram importar as perversões do ocidente. Nesse sentido, é importante lembrar: Putin representa mesmo o lado de cá da trincheira? Creio eu que não, mas muitos de nós parecem legitimar a tudo e a todos que se ponham como antiamericanos, porém sem olhar a quem. Reforço que não estou aqui defendendo o mercado financeiro estadunidense ou a democracia seletiva de Joe Biden. Reconheço igualmente que Zelensky está amparado por grupos reacionários, mas isso não me obriga a defender automaticamente os interesses russos.
Há uma lógica maniqueísta que obriga a apoiar Putin ou a OTAN, como se não pudéssemos optar por criticar ambos os lados. Tal postura está longe de ser uma teoria da ferradura. Apontar para o nacionalismo reacionário de Putin não faz de nós isentos ou liberais, só nos ajuda a ponderar sobre os interesses em torno dessa guerra. Os russos não querem invadir a Ucrânia somente para salvar os povos eslavos do processo de aculturação capitaneado pelos ocidentais ou frear a burguesia estadunidense e europeia, mas também para manter suas zonas de influência política e econômica. Eles, muito menos, buscam romper com o capitalismo internacional, mas pelo contrário favorecer sua própria elite. Há que se lembrar que a Rússia deixou o modelo soviético em 1991. Portanto, não estamos observando uma batalha entre esquerda e direita nos moldes da Guerra Fria. Não me importa se muita gente ficará chateada comigo por deixar de “passar pano” para um governante homofóbico e repressor de movimentos sociais e “minorias”. O que pretendo aqui é provocar a reflexão em torno daqueles que tornamos heróis.
Para concluir, farei um relato. Outro dia vi uma postagem que ensinava a esquerda a quem apoiar em um conflito militar como o ucraniano, mas por meio de cálculos exatos. Lendo aquele texto é possível dizer já de início que transformar pessoas em números é problemático, mas o que chama a atenção é o fato de ele se contradizer ao dizer que deveríamos apoiar o grupo representado pela elite local, pois esta estaria oposta ao mercado internacional. Esses sujeitos também exploram seus empregados e bebem da fonte de Bruxelas ou de Wall Street para atingir seus interesses. Hoje, notamos que a guerra está matando pessoas de diferentes grupos sociais e idades, tudo em nome do capital, seja ele orçado em dólares, euros ou rublos.