Para finalizar, no texto anterior apresentei o sistema filosófico pensado pelo filósofo fascista italiano, Giovanni Gentile, que se baseia na ideia da ação que congrega o ideal e o material, o teórico e o prático, bem como algumas ideias centrais sobre o Estado, principamente,l a necessidade deste em unificar moralmente o povo criando sua autoridade perante ele. Agora, pretendo mostrar como são ideias que andam juntas para Giovanni Gentile e uma crítica de um teórico não tão conhecida assim, o anarquista Errico Malatesta.
O fascismo no cotidiano e uma crítica anarquista
Desta maneira, se posso tentar sintetizar algo que já é introdutório como esse texto, Gentile vê no fascismo uma maneira de unificação moral do povo através do Estado, de maneira que seus interesses pessoais estejam equalizados nos interesses apresentados pelas instâncias estatais que seriam governadas pelos fascistas justamente, por melhor do que ninguém, entenderem este papel do Estado.
Parece que o sistema filosófico de Gentile fica um pouco “fora” deste balaio, mas só parece mesmo. O Estado, segundo o filósofo, não é apenas o governo, as instituições, as forças “morais” (leia-se de coerção) repressivas, e etc., mas, em especial, o Estado é quando os indivíduos se relacionam entre si livres de suas particularidades e a partir daquela unificação moral estatal. A realização do Estado está na ação do indivíduo, ao mesmo passo em que a verdade humana e a verdadeira unidade entre idealismo e materialismo está na ação concreta e racional humana, não na abstração ou no pragmatismo. A verdade e o Estado são o indivíduo fascista que age como fascista, diria eu, traduzindo ao leitor.
E, aqui, trago uma visão pouco presente nas pesquisas sobre o regime fascista. Errico Malatesta, grande militante e teórico anarquista italiano que presenciou parte do fascismo mas não viu sua queda, dizia, justamente, que este era o aspecto mais cruel e tenebroso do regime capitaneado por Mussolini. Que o Estado seja autoritário, que utilize e tente justificar a violência para com o povo, é a regra, e não a exceção, da ação estatal; mesmo teóricos longe de uma perspectiva revolucionária, como Max Weber, possuem este entendimento da função violenta e coercitiva do Estado. Mas a “novidade” do fascismo era o companheiro, o camarada de sindicato, o vizinho, o colega de trabalho, que age como Estado no dia a dia, ou em outras palavras, que age como fascista cotidianamente, e que causa uma sensação e situação de “guerra de todos contra todos”, excluindo-se, claro, aqueles que não passeiam pelo cotidiano, como os grandes burgueses e os próprios governantes. Isto estava integralmente proposto e muito bem amarrado por Giovanni Gentile dentre de sua justificativa filosófica do regime fascista.
Para concluir estes textos, talvez muito mais longo do que deveria, devo atentar inicialmente ao leitor que não confunda Hegel com um fascista pelo fato de um filósofo de algum renome ter buscado utilizar a filosofia hegeliana para justificar o fascismo. Apesar do filósofo alemão não ser nenhum defensor de uma democracia radical, muito pelo contrário, seria no mínimo anacrônico fazer tal afirmação sobre ele, e na verdade injusto; como disse anteriormente, em um dos pontos centrais da filosofia de Giovanni Gentile, sobre o papel moralizante do Estado, este diverge bastante de Hegel.
Também não quero dizer que é um erro político ou conceitual utilizar o fascismo como jargão político de denúncia a regimes políticos autoritários, ainda que por vezes isso atinja alguns níveis absurdos, necessitando de uma melhor maturação também neste contexto do que se quer referir ao se dizer que algo é fascista. E também reconheço que o ponto levantado por Malatesta, por exemplo, serve bastante para pensarmos como agem indivíduos ultraconservadores e de extrema-direita hoje, não só no Brasil como no mundo todo, que, de fato, parecem realizar o “fascismo” no dia a dia e não apenas num governo institucional que lhes represente, sendo um fenômeno alarmante e preocupante.