Responder a essa pergunta não é nada fácil. Mas, como não fugimos a desafios, vamos tentar. A violência nas unidades escolares sempre existiu e sob diversas formas. Nos últimos anos, a mais evidente ficou conhecida como “Bullying”, que é a prática sistemática e repetida de atos de violência física e ou psicológica (tais como intimidação, humilhação, xingamentos etc) cometidos por uma pessoa ou um grupo de pessoas contra um indivíduo.
Nos últimos anos e, principalmente, em 2023, a violência nas unidades escolares explodiu de uma forma fora de controle e alarmante. O jornal O Estado de São Paulo publicou dia desses um levantamento sobre essa violência, com dados verificados desde 2002 até o fatídico ataque na cidade de Blumenau, SC. Segundo o jornal, foram 12 ataques, totalizando 41 mortos e 68 feridos. O pior desses ataques, segundo o jornal, ocorreu na cidade do Rio de Janeiro, dia 7 de abril de 2011, quando deixou 12 mortos e 22 feridos. O segundo ataque mais brutal foi na cidade de Suzano, SP, em 13 de março de 2019, com 8 mortos e 11 feridos.
Para tentar entender todo esse processo é preciso voltar um pouco no tempo, mais precisamente no dia 23 de outubro de 2005. Nesta data, a população brasileira foi convidada a ir às urnas para decidir, em referendo popular, se era a favor ou contra o armamento da população. A pergunta era simples: “o comércio de armas de fogo e munição devem ser proibidos no Brasil?” Nós, o povão, deveríamos responder “Sim” ou “Não”.
A votação teve um placar mais do que folgado em favor da venda das armas. Foram 59.109.265 votos pelo “Não” (63,94%) e 33.333.045 votos pelo “Sim” (36,06%). Naquele momento, o povo brasileiro perdeu a grande oportunidade de confirmarmos o artigo 35 do Estatuto do Desarmamento (Lei 10.826, de 22 de dezembro de 2003) e banirmos de vez as armas para iniciarmos uma cultura de paz no país.
Em 2018, o brasileiro voltou às urnas. Agora, para eleger como presidente da República um deputado federal carioca conhecidíssimo por suas falas a favor do armamento: Jair Bolsonaro. O então deputado venceu as eleições com discurso de ódio e em defesa das armas.
Em seus quatro anos de governo, o Brasil viveu o estímulo e o aumento expressivo da venda de armas de fogo, da criação de dezenas de Clube de Tiro e, principalmente, o estímulo ao ódio de classe, de gênero, de sexo, de religião, de regiões, de etnia etc. O símbolo desse triste episódio era fazer um sinal de “arminha” com os dedos.
Esse período (2018 a 2022) já é considerado um dos mais sombrios da história do Brasil, quando o ódio, o preconceito, o racismo, o feminicídio, a intolerância e o autoritarismo cresceram de forma avassaladora. O estímulo à venda e ao uso das armas de fogo era feita como uma solução para os problemas da violência urbana e rural.
O governo Bolsonaro destruiu praticamente todos os programas sociais existentes. Chegou ao cúmulo, por exemplo, durante a pandemia da Covid-19, a não adquirir vacinas e ou insumos para fabricá-la e a incentivar a população a não se vacinar, o que provocou a morte de milhares de brasileiros.
Mesmo assim, Bolsonaro quase foi reeleito nas eleições em 2022. Perdeu por uma margem muito apertada de votos (2,1 milhões, aproximadamente). Isso nos mostra que o bolsonarismo incorporou a violência nas mentes e corações das pessoas. Mesmo que milhares tenham votado em Bolsonaro, em 2022, por outros motivos, uma boa parte deixou claro que queria mais armas em suas mãos, mesmo sabendo que não tinham a menor condição de manuseá-las.
As cenas mais execráveis que vi, como símbolo dessa violência, foram “líderes religiosos” incentivando crianças e adultos a fazerem o símbolo da “arminha” com os dedos. Em pleno culto religioso, a violência invadia as igrejas, contrariando o que dizia Jesus Cristo, sobre pregar o amor e o respeito ao próximo.
E, lamentavelmente, também dentro de escolas públicas ou particulares, era possível ver jovens postando em suas redes sociais a famigerada “arminha” com os dedos, incentivando a violência. E aqui, é preciso ser forte para dizer isso: infelizmente, centenas de educadores, de forma deprimente e lamentável, também estimularam e cultuaram dentro dos ambientes escolares, a violência física e psicológica representada pelo gesto da “arminha”.
Foi nesse período que a sociedade brasileira deixou a violência entrar nas igrejas, nas ruas, nas festas, nos hospitais, nas praias, nas unidades escolares, nas redes sociais. Incompreensivelmente, se antes líderes religiosos e uma parcela de educadores juntavam-se para atividades em defesa da vida ou pela Paz, agora, de forma consciente ou inconsciente, estavam estimulando a violência psicológica na sociedade e, principalmente, entre nossas crianças.
A cultura da violência foi plantada como uma forma de resolver conflitos, com tiros e facadas. O que ocorre nas unidades escolares hoje nada mais é do que o reflexo desta cultura da violência estimulada por pais, alguns educadores, Bolsonaro e governadores e prefeitos que também exibiam-se nas redes sociais.
Hoje, choramos a morte de dezenas de alunos(as) e professores. Estamos perdidos sem saber o que fazer. Autoridades já fazem propostas responsabilizando, nós, professores, de cuidar da segurança dos alunos. Ao meu ver, são propostas absurdas. Nós, professores temos como determinação “ensinar a ler, a escrever e a pensar”. Somos também “mediadores, facilitadores e articuladores do conhecimento” dos nossos alunos.
O artigo 144 da Constituição Federal diz que a segurança é dever do Estado, direito e responsabilidades de todos. É exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, sob a égide dos valores da cidadania e dos direitos humanos, através dos órgãos instituídos pela União e pelos Estados.
Portanto, não é responsabilidade dos professores o papel de polícia nas unidades escolares. Muito menos invadir as redes sociais dos nossos alunos para descobrir e identificar quaisquer atitudes suspeitas.