Dainel Brazil, roteirista, diretor de TV e colaborador do CCN Notícias foi à manifestação na Avenida Paulista, no último dia 2, pelo “Fora Bolsonaro”. Ao invés de trabalhar, desta vez, foi para assistir. Não resistiu e publicou em seu Facebook o belíssimo texto a seguir. Confira.
"Estive, mais uma vez, na Paulista ontem, dia 02 de outubro. Desta vez, experimentei algo diferente de outras ocasiões. Fiquei no gargarejo, junto à grade, ouvindo, observando e gravando algumas falas. Cercado por populares de vários matizes. Aliás, em 4 horas de ato, notei que só “populares” e repórteres – jornalistas, fotógrafos, operadores de câmera - ficam na primeira fila.
Nem iria fazer esse comentário, se não fosse o inusitado debate que vejo pipocar aqui no FB (não acompanho outras redes). Alguns amigos e muitos desconhecidos pontificam sobre a vaia a Ciro Gomes. “Deveríamos ser mais democráticos.”, dizem alguns. “Ele mereceu!”, apontam outros. “Ele colheu o que plantou” versus “foi um desrespeito!“.
Um amigo insinuou que os vaiadores talvez fossem infiltrados para espalhar a cizânia. Outra, mais condescendente, acha que eram pessoas “desinformadas sobre a necessidade de uma frente ampla”.
Sem excluir nenhuma possibilidade, dou um depoimento absolutamente pessoal. Ao meu lado desde às 15 horas, uma senhorinha com camiseta e bandeirinha do MTST, rosto vincado pelas desgraças da vida, seguramente mais jovem que eu, vibrava e aplaudia os discursos que se sucediam. Berrou uns “Lula presidente”, com entusiasmo, após as falas dos sindicalistas. Quando Boulos falou, seus olhos brilhavam. Ele é, de fato, um líder reconhecido entre os sem-teto, e sabe modular seu discurso de modo que seja entendido por eles.
Em seguida veio Ciro Gomes. Imediatamente, essa senhorinha começou a xingar com veemência, e suas palavras não eram exatamente aristocráticas. Do meu lado direito, um rapaz e duas moças, com camisetas e bandeiras do PDT (perdoai-os, Brizola!), brancos e bem nutridos, aplaudiam o ex-ministro de Lula. Meio envergonhados, me pareceram. Quase perguntei se eram remunerados, mas nem precisava. Camisetas estalando de novas, bandeiras limpinhas...
Deveria eu, pequeno-burguês criado na Vila Mariana, pedir para aquela mulher da periferia de São Paulo (pra lá de Cidade Ademar, me disse depois), que não ofendesse o político cearense? Durante quase duas horas irmanado com ela naquele espaço estreito, teria o direito de dizer que ela não poderia expressar o que sentia? Ou que deveria se manifestar de forma polida, dentro da norma culta?
Me vieram à lembrança as palavras de Ciro Gomes se referindo à Lula, à Dilma, tão pouco dignas de um diplomata. Recordei sua aproximação odiosa com setores golpistas de direita. Seu vergonhoso abandono da disputa eleitoral de 2018, quando estava em jogo a democracia contra a barbárie, indo descansar em Paris (valei-me Ulysses Guimarães, Mario Covas, novamente Brizola, derrotados lealmente por Lula, mas nunca infantis). Vi ali, na minha frente, a tentativa oportunista de transformar um ato unitário de protesto em palanque eleitoral.
E me juntei ao berro da senhorinha do MTST, mais sábia e sofrida que eu, sem medo de ser injusto: “Filho da puta!”