Ouvir Socorro Lira é sempre um alumbramento. Para uns, revelação. Para outros, o reencontro prazeroso com o talento radiante. A artista, a cada disco, multiplica parcerias, explora novas trilhas, amplia seu repertório sem cair na repetição.

Quando lançou seu primeiro CD, Cantigas, em 2011, já era poeta publicada e agitadora cultural. De lá pra cá, esparramou sua inquietação artística em várias direções. Boa violonista, refinou cada vez mais sua performance como intérprete, ancorada numa já vasta produção autoral. Escreveu um romance, Falar de Meus Amores Invisíveis, lançado em 2020, sem interromper a produção poética e musical.

E que cantora, que intérprete! Nascida na Paraíba, andou e cantou por esse país, e soube ouvir e incorporar os sotaques e perfumes de cada região, sem perder o acento nativo. Seu trabalho Amazônia Entre Águas e Desertos (2015), registrado em CD e DVD, é obrigatório para todos que amam a música brasileira fora do eixo urbano do (ex)sul-maravilha. Conjuntos de canções mais introspectivas, como o Singelo Tratado Sobre a Delicadeza (2012), mantém o frescor dos primeiros discos adicionando cada vez mais doses de sabedoria técnica e musical. E quando fala do sertão (Os Sertões do Mundo, 2014), é uma boniteza só! Gravou CDs dedicados a Zé do Norte e Luiz Gonzaga que merecem ser muito mais ouvidos e divulgados.

A cada disco, a poeta, cantora e compositora desvela novas facetas e reabre nossos olhos (e ouvidos) para um Brasil poético e musical pouco conhecido. Ao musicar poemas de autoras como a maranhense Maria Firmina dos Reis (1822/1917), primeira escritora negra brasileira, ou a paulista Ruth Guimarães (1920/2014), Socorro Lira se coloca também como militante, porta-voz de tantas mulheres talentosas ignoradas pela cultura de massa e de macho.

Ao criar, junto com Elifas Andreato (1946/2022), o Prêmio Grão de Música (www.premiograodemusica.com.br), do qual é diretora artística, explicitou a intenção de valorizar os talentos regionais e as múltiplas formas da música popular brasileira. O que não a impede de lançar seu fio de teia para parceiros internacionais, como prova seu novo disco, Dharma, lançado no dia 30 de dezembro de 2022, que pode ser ouvido em todas as plataformas digitais.

Como não vibrar com tantas delícias? Como El Amor, canção autoral, foi gravada em Cuba com músicos locais, com produção e arranjo de Swami Jr. E o que dizer de parcerias com Chico César (Deusa Livre), Ná Ozzetti (Gaza Jacarezinho), Zélia Duncan (E Você Chega Tarde), Cátia de França (Em Resposta), Ana Costa (Não Acabou o Assunto), o violeiro Ricardo Vignini (Dharma), entre outras? E a fantástica criação com o escritor angolano José Eduardo Agualusa, a misteriosa canção Lilith? Coisa de se ouvir uma, duas, dez, cem vezes, sem cansar. Como não se arrepiar ouvindo versos tão urgentes e universais como “Eu não me calo/ falo não/ falo abaixo os generais”, da canção-título do disco?

Socorro Lira, forte e pungente, doce e instigante, é uma das mais importantes compositoras brasileiras da atualidade. Não ouviu ainda? Corra, não sabe o que está perdendo!

Autoria
Daniel Brazil é roteirista, diretor de TV. Escreve regularmente para os sites "Revista Música Brasileira", "A Terra é Redonda" e alimenta seu blog "Fósforo", sobre literatura.
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