O Conselho de Coordenação do Centro de Filosofia e Ciências Humanas CFCH, ligado à Universidade Federal do Rio de Janeiro, UFRJ, concedeu, nesta segunda-feira, dia 9, o título de “Doutora Honoris Causa” à escritora Carolina Maria de Jesus, ilustre moradora da Zona Norte de São Paulo. A homenagem foi sugerida pela Direção do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais.
Para o Instituto, a escritora, além de ser tema de 58 teses e dissertações nos últimos seis anos, é uma autora “fundamental na luta antirracista”, tendo enfrentado em vida “questões relacionadas ao que se denominou ‘racismo estrutural’ que, dentre as suas mais variadas formas de produzir o apagamento do negro da história nacional, procurou silenciar mulheres como Carolina Maria de Jesus como parte da produção da literatura brasileira”.
O Conselho diz ainda que a título visa a “reparação histórica do apagamento não de uma personalidade, mas de um segmento étnico que historicamente foi negado o lugar na cultura nacional”.
A reparação histórica possibilita a construção de novas possibilidades e percursos para mulheres negras, cuja marca de subalternidade que alijou Carolina Maria de Jesus do espaço público e literário ainda precisa ser superada.
Quem foi Carolina?
Carolina Maria de Jesus nasceu em Sacramento (MG), no dia 14 de março de 1914, e morreu em São Paulo, em 13 de fevereiro de 1977. Foi moradora da Zona Norte de São Paulo, onde viveu a maior parte de sua vida. Carolina morou na considerada primeira ocupação urbana do País, a favela do Canindé, onde hoje é o Estádio da Portuguesa de Desportos.
Sobrevivia catando papeis e papelão pelas ruas da cidade. Nas horas vagas, retratava sua rotina em “diários”. Essas crônicas não só expunham seus dias, mas também, a miséria, os abusos, os preconceitos sofridos por ela, sua família e os moradores da região.
Foi descoberta por acaso pelo jornalista Audálio Dantas, ao fazer uma reportagem exatamente na “favela do Canindé”. Seus diários foram transformados em livros. O primeiro, “O Quarto de Despejo: Diário de uma Favela”, de 1960, fez um estrondoso sucesso. Após esse lançamento, ocorreram mais três edições, com 100 mil exemplares vendidos e traduzidos para 13 idiomas, em mais de 40 países, segundo a Agência Brasil.
Em seguida, Carolina muda-se para Santana e publica mais três livros: “Casa de Alvenaria: Diário de uma ex-Favelada”, de 1961; “Pedaços de Fome”, de 1963; e “Provérbios”, também de 1963.
Carolina passou a ser assediada pela imprensa e, segundo ela, forçada “a escrever coisas que não queria”. Por isso, aos poucos foi abandonada. Somente depois da sua morte, sua obra foi revisitada e com edições póstumas: “Um Brasil para brasileiros”, de 1982; “Diário de Bitita”, de 1986; “Meu estranho diário” e “Antologia Pessoal”, ambos de 1996.
Suas histórias também foram adaptadas para a televisão e teatro no Brasil e no mundo. Aos 62 anos, devido à asma, foi vítima de uma crise de insuficiência respiratória, em 13 de fevereiro de 1977.
Segundo Tom Farias, autor do livro “Carolina: uma biografia”, de 2018, Carolina de Jesus é a brasileira negra mais publicada no mundo.
A existência de mulheres como Carolina Maria de Jesus é fundamental, uma vez que o acesso aos livros e, principalmente, o ofício da literatura são reservados, na esmagadora maioria das vezes, aos homens brancos, com refinamento educacional e de alta posição social. Só para compreender a dimensão, quando Carolina nasceu, a lei de Abolição da Escravidão no Brasil ainda não tinha 30 anos. Ter a figura pública, ainda nos anos 60, de uma mulher, negra, mãe, pobre e marginalizada é impactante. É um retrato fiel das classes mais sofredoras e lutadoras desse país. Pessoas como Carolina, não deixaram que os outros falassem por elas. Elas falam, se impõe e transformam.
Leiam Carolina Maria de Jesus!