Queridas, queridos e querides,

Gostaria eu de começar esta carta dizendo que está tudo bem, mas não posso. Não tenho como dar boas novas se todos os dias um de nós é morto ou violentado física e/ou psicologicamente. Ainda vemos pessoas serem expulsas de casa ou insultadas somente por destoarem da sexualidade e/ou de uma orientação de gênero padrão. Vejo colegas de trabalho terem medo de tratarem de temáticas como gênero e sexualidade devido a possíveis represálias, além de relatos de alunos que convivem com o preconceito. Há ainda aquele clima de medo em relação ao futuro dos direitos que conquistamos a duras penas. Assim, acabamos perdendo nossa autoestima, desenvolvendo problemas psíquicos e emocionais, e, em situações extremas, cogitando ou cometendo suicídio. E é isso que, infelizmente, aqueles que estão no poder querem: desestabilizar para depois silenciar e mandar de volta para o armário.

Queria dizer que está tudo bem, mas não está.

Contudo, posso afirmar que isso pode mudar, pois a sociedade e os indivíduos não são eternos e, assim como nós, estão passíveis a mudanças. Longe de criar utopias ou iludir a quem me lê, afirmo que já fui um adolescente inseguro por viver em conflito com a minha orientação sexual, o que era produto de uma cultura incutida em mim pelo meio em que vivia. Depois que completei 18 anos passei a me abrir, mas convivi por anos com uma série de violências simbólicas dentro de casa, fazendo-me questionar a minha própria existência. Mesmo assim tive quem estendesse a mão. Somente aos 27 anos tive abertura para me abrir dentro de casa, processo este concluído somente quando eu já estava com 30 anos de idade. Parece desesperador pensar que levou tanto tempo, mas cada família tem sua própria configuração, não ache que seu percurso será exatamente igual ao meu, ele pode ser totalmente diferente.

Escrevo aqui para você que se vê sem saída e, por isso, digo: ninguém é obrigado a conviver com quem te faz mal e muito menos se incomodar com o olhar dos outros. Todavia, você precisa respeitar o seu próprio tempo e não se sentir pressionado a tomar uma atitude porque te disseram que é o ideal. Você não é obrigado a nada. Parece prepotente eu dizer essas palavras, mas tenho consciência de que tenho ainda muito a aprender, mas também que a saída do armário me trouxe bagagens que me permitem estar aqui me comunicando com vocês dessa maneira. Sei que o futuro é incerto, mas não estamos sozinhos.

Sei que você já deve ter se machucado, mas é necessário que busquemos nos aproximar daqueles que nos fazem bem. Essa atmosfera de medo não vem de hoje, mas não é a mesma que existia há uns 40 anos. Se antes éramos vistos como doentes ou degenerados, conseguimos hoje o reconhecimento de que não temos problema algum. Apesar dos pesares, temos mais espaço e podemos conquistar mais, desde que preservemos aquilo que já temos. Podemos nos casar com quem quisermos e até adotar filhos, além de denunciar alguém que nos discrimina ou dar visibilidade a situações de violação de direitos. Há muito a ser conquistado, mas lembre-se que hoje não é ontem.

Longe de mim de querer iludir você, mas pense que tudo pode mudar. Logo nos libertaremos do atual mandatário e conseguiremos retomar aquilo que foi barrado nos últimos anos. Só peço que analise bem em quem votará, não se omita quando sentir-se discriminado e, muito menos, não se cale diante de injustiças sofridas por outras pessoas. Se agir com calma, você consegue melhores resultados. Busque embasamento em textos jurídicos para se respaldar e não negligencie a nossa história e o nosso presente. Ler aqueles que estão debatendo essas questões com propriedade é sempre uma boa ideia. Não tenha medo de errar ou dizer que não conhece algo, pois todas, todos e todes estamos aqui para aprender.

E para aqueles que me acharem demasiadamente otimista ou inocente, digo: a situação não está boa, mas pode, e vai, mudar. Se com este texto eu conseguir ajudar alguém a repensar o seu meio e notar que o problema não é você, já me dou por satisfeito. Se essa pessoa se sentir inspirada a lutar por seus direitos, melhor ainda e digo ainda mais: não tem porque nos autocensurarmos, o tempo do armário já passou.

A situação não é a ideal, mas tenho a esperança de que um dia ela será!

Beijos e conte sempre com quem te dá apoio.

(R) existiremos.

Autoria
Roger Camacho - Doutor em História pela UFRGS, mestre pela UNIFESP. Professor na rede pública estadual e interessado em temas como gênero, Trajetórias de vida, branquitudes, memória e patrimônio.
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