Como falei nas duas primeiras partes dessa análise sobre o PT e as eleições municipais (e agoro reforço nessa terceira e última parte), existe uma grande resistência de uma parcela do PT em aceitar o acordo firmado em 2022, com o PSOL. À época, Lula, Gleise Hoffmann, Luiz Marinho, Guilherme Boulos e Juliano de Medeiros decidiram retirar as candidaturas de Boulos e Juliano em favor das candidaturas de Lula e Fernando Haddad. Em contrapartida, o PT apoiaria a candidatura de Boulos a prefeitura em 2024.
Muito bem. Eis que agora, em 2023 surgem vozes contrárias a este acordo. Jilmar Tatto foi o primeiro a negar publicamente o “tal acordo”. Gleise rebateu: “Houve acordo, sim. As conversas foram comigo, com o presidente Lula e o (Luiz) Marinho. À época, foram bem divulgadas e ninguém (no PT) questionou. Pode-se ter divergência, mas houve o acordo. E acordo é pra ser cumprido”.
Qundo Jilmar Tatto rebelou-se, outras lideranças do Diretório Municipal o acompanhou, como Francisco Chagas e também por lideranças zonais, regionais e setoriais. Alegam que não foram consultados. Não divergem exatamente do acordo, mas reclamam que foram alijados do processo. Pedem uma consulta democrática que, segundo eles, pode até recair, inclusive, no próprio Boulos.
É o PT, novamente, ensimesmado em seus dilemas internos que, ao meu ver, podem comprometer uma unidade de esquerda na cidade de São Paulo para as próximas eleições. É bom recordar que Lula só se tornou Presidente da República, porque o Partido foi para a disputa, já no primeiro turno, com uma aliança de 10 partidos, com Geraldo Alckmin como vice. Ele próprio que até pouco tempo era adversário “tucano” ferrenho. E todos lembram como foram as disputas – talvez uma das mais acirradas da história do Brasil. Não seria exagero dizer, do mundo, porque todas as atenções internacionais voltaram-se para as eleições Brasileiras. Era a democracia versus o fascismo. A primeira alternativa venceu com apertados 2.139.645 votos de diferença.
Isso nos faz concluir: o PT precisa comprovar que aprendeu com a “surra eleitoral” de 2020, quando saiu sozinho, “sem lenço, sem documento”, enquanto seu principal adversário Bruno Covas (1980-2021) saiu em aliança com 8 partidos e venceu as eleições com relativa facilidade.
Desta vez, parece que algo importante está pra acontecer. No último dia 20 de março, a Executiva do PT, em São Paulo, recebeu a visita do agora deputado federal Guilherme Boulos (PSOL-SP). Foi um passo importante para uma aproximação com as bases do PT. O ponto positivo desta reunião foi a decisão da Executiva em realizar, a partir de abril, realizar um processo de debates internos com a base sobre “conjuntura, tática eleitoral e organização partidária”. Estamos diante de uma novidade que indica a tendência do PT de não cometer os erros das eleições de 2020, quando postergou o diálogo interno, desde 2019. Talvez seja sinal de que o Partido esteja mais coeso internamente e pronto para realizar esse debate sem traumas. Uma ótima notícia, independente de quem seja o candidato(a) a prefeito(a); se das próprias fileiras ou de algum outro partido aliado à esquerda.
Quer dizer, acendeu uma luz no final do túnel? Essa luz esteve presente na eleição de 2022, quando as esquerdas constituíram um grande arco de alianças. Então, se verificarmos somente as votações que Lula e Haddad tiveram na cidade de São Paulo, verificamos que ambos venceram por aqui. Por que? Haddad teve apoio de 7 partidos (PT, PCdoB, PV, PSB, PSOL, Rede e Agir) e obteve 2.804.984 votos no primeiro turno (44,38%) e 3.565.920 votos (54,41%) no segundo turno. E Lula teve o apoio de 10 partidos (PT, PSOL, Rede, PSB, PCdoB, PV, Agir, Avante, Pros e Solidariedade). Também venceu com 3.276.512 votos (47,54% dos votos no primeiro turno) e com 3.677.921 votos (53,54% no segundo turno).
Lula e Haddad mostraram às esquerdas nas eleições gerais de 2022 que é possível vencer em São Paulo, desde que se construa uma grande arco de alianças, além da união das esquerdas. Caso contrário irá perder novamente as eleições e, inclusive, com grande risco de terem suas respectivas bancadas de vereadores reduzidas.
Boulos e Datena
Nos primeiros dias de abril, o clima esquentou. Durante uma reunião de amigos corintianos, Guilherme Boulos, Craque Neto e José Datena conversavam amenidades quando o papo enveredou para a política. Nessa hora, a conversa passou a ser registrada em vídeo e logo depois “vazado” para as redes sociais. No trecho divulgado da conversa dá conta que Datena sugere a Boulos que ele seja o vice na chapa com Boulos, para isso o deputado do PSOL deveria “peitar o PT” e assim, disse Datena, “nós sairemos candidato”. E prosseguiu; “Se você falar com o Lula; eu quero o Datena como vice e sinto muito, nós podemos saír”. Datena continua,“O PSOL é um partido que está surgindo, com força importante. Tem o único cara de esquerda capaz de ser o substituto do Lula. E o PT não aceita isso, vai querer fazer o Haddad”; Se você peitar o PT e disser que quer o Datena como candidato a vice... Sinto muito. Política é como nuvem. [O PT] vai lançar um candidato próprio e vai tomar um nabo violento”, concluiu Datena.
O “troco”, no entanto, não demorou: o Secretário de Comunicação do PT Nacional, Jilmar Tatto, pronunciou-se: "Se foi feito acordo, nós vamos cumprir. Mas vamos discutir as bases desse acordo. O Boulos poderia vir para o PT, por exemplo. O PT é grande demais para ficar sem candidato na cidade. Para o Boulos, seria a melhor coisa do mundo" e acrescentou: "O quadro não é bom para o PT. As eleições municipais são um momento de afirmação e crescimento dos partidos. Não podemos abrir mão disso".
Lembrem-se, desde 2012, a legenda vem perdendo cidades. Naquele ano, conquistou 637 prefeituras. Em 2016, 254. Na eleição passada, o número caiu para 183.
Lula mostrou ao PT e às esquerdas o que pareceia impossível; o anúncio do tucano dos escândalos do Rodoanel (ninguém esqueceu, né?), Geraldo Alckmin, como vice. Eu, inclusive, escrevi artigos sobre o assunto. Hoje, nós, petistas, e outros companheiros das esquerdas soubemos absorvê-lo, tanto que as vaias de antes foram substituídas por aplausos de pé. Lula até já brincou com o fato, dizendo-se enciumado.
O que você, leitor, acha? O PT deve sair com Chapa pura, só com companheiros da esquerda? Ou deve construir um amplo leque de apio à candidatura de Boulos? A história já nos ensinou o caminho. Se vamos ter uma candidato próprio ou na vice é outra conversa. O que não podemos é cometer novamente os erros do passado. É preciso ir ao debate sem amarguras e sem o fígado e sim com o coração e política na cabeça. Ao debate, sem medo de ser feliz.
Esse artigo encerra a trilogia que me propus a fazer para o CCN Notícias sobre as eleições municipais e o PT. Acabei causando alguns descontentamentos, que não respondi. Achei que não valia à pena. Vivi meus 57 anos firmes na luta e minha trajetória política é muito mais importante que um simples e reles opinão desrespeitosa. Ao contrário, cumprimento e agradeço as centenas de milhares de apoiadores que elogiaramo nosso trabalho de pesquisa e com o intuito único e com todas humildade contribuir para o debate franco e aberto.