Há exatos 39 anos, numa máquina de escrever, escrevi comovido o obituário de Garrincha, o mais genial brasileiro com a bola nos pés, a figura maior do clube da estrela solitária.
Estranhíssimo, mas perfeitamente compreensível, que num outro 20 de Janeiro, esteja me manifestando sobre uma das maiores intérpretes da música brasileira em todos os tempos.
Garrincha era uma força cósmica, um instinto indomável, a beleza in natura. Elza era também uma força cósmica, um instinto indomável, a beleza in natura.
Em artes que se completavam, conjugaram estética sedutora, superação de limites, poesia inovadora e sedição lúdica.
A Ditadura Militar ameaçou Elza e dificultou sua carreira. Razão: essa irmã de origem na mãe África apoiava as reformas populares prometidas por Jango.
Não por acaso, os milicos delinquentes esmagaram e mataram Mainá, o passarinho de Garrincha, um filho dos povos originários do Brasil.
Elza tinha um amor transcendente e generoso por Garrincha. Foi quem o incentivou a jogar pelo nosso Corinthians, time pelo qual os dois torciam aqui em São Paulo.
Era uma chance de redenção, de cura, de ressurgimento. Os joelhos das pernas tortas, no entanto, resistiram por tempo limitado. Encerrou-se a aventura. Ficou para o craque o afago da diva.
Depois de 1983, Elza esticou a obra do operário que virou astro da bola. Driblou os preconceitos, deu um chapéu no machismo, uma finta da vaca no racismo e marcou gols de placa no jogo da cidadania.
Elza partiu para a arquibancada de cima num mesmo dia. Por quê? Porque tem lugar marcado ao lado de seu grande amor.
No palco do céu, entre dribles e cantos, estes dois lindos e magníficos filhos do Brasil farão incríveis tabelas para tornar ainda mais perfeito o paraíso.
Texto publicado originalmente no site “Pensar Piauí” (https://pensarpiaui.com/noticia/por-que-a-musa-elza-partiu-no-mesmo-dia-que-garrincha.html) pelo jornalista Walter Falceta que já autorizou a reprodução do texto.