“Eu vim do mundo dos excluídos – por classe social e gênero – e sou uma mulher que abomina a exclusão”, afirmou ela nesta entrevista a João Gomes na revista Mirada. Conheci a escritora mineira Adriane Garcia através de Akira Yamasaki e seu Sarau da Casa Amarela, em São Miguel. Desde então, acompanho seus ótimos poemas pelo Facebook e Instagram (entre também em seu site). Ela acaba de lançar ‘Eva-proto poeta‘, livro de poemas curtos que celebra a voz das mulheres sob o ponto de vista bíblico (para adquiri-lo, clique aqui). Adorei seus concisos poemas, as resenhas e os merecidos comentários elogiosos que li sobre ele:

‘Seus curtos poemas aparentam uma falsa simplicidade, construídos de forma concentrada, explodem em múltiplos sentidos, um livro deliciosamente subversivo e essencial como toda obra de arte deve ser, uma furiosa ironia originada por séculos de dominação masculina’ (Alexandre Kovacs)

‘Ousadia é a palavra-chave do livro. Garcia reescreve o mito da criação da humanidade, ao empoderar a resignada Eva, a partir do momento que ela descobre a insubordinada Lilith, colocando em pauta a questão da sororidade tão necessária ao movimento feminista’ (Leila de Carvalho e Gonçalves)

‘Um conjunto de poemas entranhados uns nos outros. formam um encadeamento formal e discursivo, um texto-sequência onde é impossível citar um poema separado do conjunto. A força da trama imanta de sugestão cada parcela, cada fragmento desse discurso proliferante. Trata-se de um álbum-poema, e não de uma reunião de poemas’ (Ronald Augusto)

‘Um livro obrigatório. Marca um momento importante da poesia escrita por mulheres e anuncia as próximas reflexões da autora sobre os textos e construções de mitos fundadores do patriarcado. E o livro é lindo, capa, projeto gráfico, uma delícia’ (Maria Alice Bragança)

‘Além de escrever num ritmo acelerado, mantendo o tônus de uma poesia forte e crítica, longe da linguagem-pela-linguagem, Adriane tem especial apreço pela poesia falada, participando de eventos e saraus’ (Ana Elisa Ribeiro)

“Eva Proto-Poeta” (Editora Caos & Letras) conta a história de “Lilith”, deusa ou demônio, que inspira os poemas deste mais recente lançamento de Adriane Garcia. Lilith teria sido a primeira mulher de Adão e também a primeira feminista da história, expulsa do paraíso e excluída da versão oficial da Bíblia. Posteriormente, Eva foi criada a partir de uma das costelas de Adão para servir-lhe de companhia, tendo sido responsável pela perda da inocência humana ao ceder à tentação do fruto da árvore proibida, uma imagem bem mais conveniente ao papel de submissão reservado à mulher. Conta-se que Lilith fugiu para o Mar Vermelho, porque criada do barro em igualdade com Adão, rebelou-se quando ele quis submetê-la. Da rebelião de Lilith ao silenciamento de Eva, metade da humanidade resolveu subjugar a outra metade. Essa história não era para ser contada. Mas Eva descobrirá Lilith e dará nome a todas as coisas’.

Adriane Garcia é mineira de Belo Horizonte, MG, poeta, escritora, teatroeducadora e atriz. Graduou-se em História pela Universidade Federal de Minas Gerais e se especializou em Arte-Educação na UEMG.

De uma ótima entrevista da escritora à Marcio Sales Saraiva, da revista Obvious destaco as dicas sobre autores contemporâneos (entre eles, Cinthia Kriemler, Lisa Alves, Cidinha da Silva, Maria Valéria Rezende, Marcelo Labes, Sergio Fantini, Nelson de Oliveira e Akira Yamasaki) e assino embaixo dessas suas importantes considerações sobre o fazer artístico:

“É uma bobagem alguém dizer que é artista e é neutro. Isso não existe. Se você vai ficar escrevendo sobre borboletas, ou sobre seu eu-sofredor, quando os indígenas estão sendo massacrados e o país mata seus ativistas ambientais isso é uma opção política. A neutralidade também tem consequências políticas. A arte é também um campo de guerras, move o tempo e é movida por ele. Eu, particularmente, fico abismada com artistas que se posicionam politicamente com o seu não posicionamento. E há os que se posicionam ao lado de opressores. (…) O governo agora no Brasil, de extrema-direita, está modificando o direcionamento das leituras na idade escolar. O que estão buscando? Uma literatura alienante, fora da realidade, porque querem cidadãos inertes, presas fáceis de igrejas para alimentar o poder fundamentalista. (…) Os artistas podem e devem praticar a arte livremente, com engajamento político explícito ou não; mas seria coerente que todos defendessem a liberdade, sem a qual não podem ser artistas plenamente”.