O fascismo se tornou jargão político como termo quase sinônimo a um adversário que, a partir de alguma perspectiva, se porta de maneira autoritária. Nesses termos, o fascismo pode ser de esquerda, de direita, pode preceder o próprio fascismo real – uma vez escutei de uma aluna que monarquias absolutistas eram fascistas – dentre muitas outras coisas. Por outro lado, é muito comum que o estudo acadêmico rigoroso do tema afirme que o fascismo é um fenômeno histórico e social situado especificamente na experiência italiana da primeira parte do século XX, tendo Mussolini como seu grande líder.

Meu objetivo aqui não é exatamente questionar ou um ou outro uso do termo ou conceito “fascismo”, mas apenas tratar sobre uma temática pouco abordada nos estudos do regime fascista pelos lados de cá, e que acredito ser importante. Giovanni Gentile foi um filósofo italiano e se intitulava o filósofo do fascismo. Teve grande importância no regime, sendo ministro da Educação que realizou uma reforma educacional mantida até hoje na Itália. Manteve seu apoio ao regime fascista até o fim da sua vida, em 1944, morrendo pouco antes do fim deste.

O filósofo do fascismo teve em sua formação filosófica estudos centrados em Hegel, grande pensador alemão que influenciou praticamente todos os posteriores – e de posições diametralmente opostas, como o próprio Gentile, Marx, Bakunin, Kierkegaard, dentre muitos outros – e era reconhecido por ser um grande estudioso dele. Uma frase que geralmente se diz ser de Benedeto Croce, com quem teve uma parceria intelectual duradoura (e que também apoiou, até certa parte, o fascismo), mas na verdade é de seu tradutor em inglês, é que Gentile “[...] tem a honra de ser o mais rigoroso neo-hegeliano em toda história da filosofia ocidental e a desonra de ter sido o filósofo oficial do fascismo”. No entanto, esta frase e aparente dicotomia, entre ser um estudioso reconhecido de Hegel e ser o filósofo do fascismo pode enganar, tendo em vista que o pensador italiano buscou, justamente através da filosofia hegeliana, justificar seu posicionamento fascista.

Pois bem, a seguir, abordarei a análise sobre o “fascismo” em duas partes. Na primeira, a justificativas histórica do fascismo. Na segunda parte, em outro texto que deixo para mais tarde, abordarei as justificativas filosófica e a política.

A justificativa histórica

Primeiro, Gentile, através de alguns textos, e citaremos aqui em especial A justificativa filosófica do fascismo, dialogará com a história da Itália para pensar sua adesão ao regime fascista. Em sua visão, a Itália, no período do Risorgimento que culminou com a unidade do Estado italiano em 1870, teve um gigantesco desenvolvimento “idealista” e também moral. Unificou o povo cindido da península itálica numa grande nação e num Estado forte, exercendo e praticando sua grandeza (lembremos que estamos sempre falando como o filósofo enxergava a realidade, não necessariamente como era) factualmente, não como mera abstração histórica.

No entanto, esse período foi breve, e logo, em 1876, o “materialismo” tomou o poder, possibilitando, por um lado, um avanço material e tecnológico do país, porém voltou a cindir e enfraquecer o povo italiano. E isto pois esse “materialismo” era resultado da política socialista e liberal – Gentile unifica estas duas ideologias políticas – que tinham como ponto em comum defender uma oposição entre indivíduo e Estado. Resumidamente, segundo esta nova política que deu os rumos da nova nação italiana, o Estado é um obstáculo para as particularidades do indivíduo se realizarem.

Assim permaneceu até a Primeira Guerra Mundial, quando surge o movimento fascista na Itália e passa a defender a participação dos italianos na guerra, até então neutros. Na visão de Gentile, Mussolini percebia a necessidade de um Estado forte que voltasse a unificar moralmente o povo italiano, e a guerra era um instrumento essencial para isto. Um exército cindido é frágil, um exército unido é forte e, para participar de uma guerra destas proporções, toda a sociedade deveria agir militarmente, sejam os combatentes, ou aqueles que produzem as condições materiais – armas, mantimentos, roupas, curativos, etc. – para o combate. Aqui, Gentile, apesar de não citar, parece partir diretamente de Hegel, que escreve num texto chamado A constituição alemã uma ideia muito parecida sobre a capacidade da guerra de unificar indivíduos. O filósofo italiano, inclusive, é o escritor da primeira parte da obra de Mussolini que sintetiza o fascismo, A doutrina do fascismo, centrando seus esforços intelectuais para justificar esta necessidade de uma unificação moral do povo italiano através de um Estado forte.

Autoria
Júlio César Rodrigues da Costa é Mestre em Filosofia pela UNESP, Professor da rede estadual do Estado de São Paulo e colaborador do CCN Notícias.
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