Com o falecimento do prefeito Bruno Covas (PSDB), neste domingo (16), uma pergunta surgiu na imprensa e nos bastidores políticos da cidade: haverá mudanças com o vice Ricardo Nunes (MDB)?
Como prefeito em exercício, após Covas se licenciar no início de maio para tratamento, Nunes afirmou que daria continuidade aos projetos da gestão. Por mais que essa declaração represente a expressão de um sentimento de fidelidade, há que se considerar alguns aspectos.
A dúvida é se, ao longo dos três anos e sete meses que terá pela frente, o emedebista vai se manter fiel ao acordo que envolveu o governador João Doria e o DEM paulistano, representado pelo presidente da Câmara Municipal, Milton Leite?
Não custa observar. O DEM no plano federal, com seu presidente ACM Neto à frente, está alinhado com o governo Bolsonaro. Já o MDB em Brasília, seguindo sua tradição histórica, se divide em alas. E abriga os pró e os contra Bolsonaro.
Mas a questão central é sobre a continuidade da gestão tucana na cidade. Separando a figura humana e com todo respeito ao sofrimento que enfrentou desde quando foi diagnosticado com câncer no sistema digestivo, não há como negar que a gestão Covas se pauta por políticas neoliberais e retrocessos dos direitos.
Como oposição a Bolsonaro, Covas era alinhado ao seu mentor, o governador Dória. E este segue à risca a cartilha econômica de Paulo Guedes. Ela tem como prioridades o desmonte das políticas públicas e a privatização dos serviços públicos.
Exemplo evidente foi a aprovação da dita reforma da previdência paulistana. A gestão tucana saiu na frente do governo federal e aprovou o Samprev. A “reforma” penalizou o funcionalismo ao aumentar a contribuição para 14% e dificultar as regras para a aposentadoria.
Na vanguarda da terceirização, a cidade ainda aprovou, no ano passado, a concessão de “vouchers” às famílias de alunos para o pagamento de vagas em creches. Essa medida acaba de ser copiada pelo governo federal.
Mesmo antes da pandemia, os recursos financeiros da fatia que cabe ao município para os serviços de saúde registraram diminuição ano a ano. Esse gesto comprova que a gestão tucana não priorizou a melhoria do Sistema Único de Saúde (SUS).
Na área da saúde ainda é crescente a entrega de serviços com aumento dos repasses de verbas às Organizações Sociais (OS). Do orçamento de R$ 13,7 bilhões da pasta, no ano passado, as OSs abocanharam R$ 6,4 bilhões, ou seja 46%.
Hoje, perto de 100% da Rede de Atenção Básica está nas mãos dessas entidades e quase todas as 468 Unidades Básicas de Saúde (UBS)s estão terceirizadas.
“Muito com pouco”
Após o fim da Autarquia Municipal Hospitalar também avança a terceirização nos 11 hospitais municipais. Entrou na mira da terceirização o SAMU (Serviço de Atendimento Móvel de Urgência) que, em 2019, sofreu mudanças de locais. Com isso, aumentou o tempo das equipes para chegar às ocorrências. E ainda está na fila a COVISA (Coordenadoria de Vigilância em Saúde). A atual gestão retirou a sua autonomia técnica.
Na Assistência Social, encarada pela atual gestão como caridade e não como direito da população mais vulnerável, a Secretaria sofreu cortes orçamentários de 30%. Houve também a tentativa de fechamentos de importantes serviços, mas, após pressão das entidades conveniadas e dos movimentos, eles foram mantidos.
Na área de direitos humanos não é diferente. Basta lembrar que um dos primeiros atos do então prefeito Dória em 2017 foi extinguir a Secretaria Municipal de Políticas para as Mulheres. Neste período, trava-se uma luta cotidiana contra a extinção de serviços como agora com o de hormonioterapia.
Lançado com toda pompa, em 2019, e promessa de construção de 50 mil unidades, o programa habitacional “Pode Entrar” não consegue avançar. Movimentos de moradias não aceitam as novas exigências da Prefeitura. E agora, a notícia é que o programa vai virar projeto de lei para ser votado na Câmara Municipal.
Mas qual a expectativa com o vice Nunes? Considerado mais à direita do que Covas, o novo prefeito tem ligação com setor conservador da Igreja Católica. A perspectiva é o encaminhamento de pautas mais conservadoras para a Câmara Municipal.
Não é para menos. Como vereador se aliou aos fundamentalistas para barrar menções a termos como “gênero” do Plano Municipal de Educação. Na época, defendeu que sexualidade não deveria ser tema nas salas de aula.
Além disso, como vereador e integrante assíduo na elaboração das leis orçamentárias, deve usar sua experiência para continuar o modo tucano de gestão. Esse modelo corta, por exemplo, os orçamentos das Subprefeituras para recompor os valores em anos eleitorais.
Não à toa, em várias reuniões com as entidades da Assistência Social a sua frase favorita é: “Estamos fazendo muito com pouco”. Pensamento da lógica empresarial com a austeridade em primeiro lugar e típica dos defensores do Estado Mínimo, mas para a população empobrecida.
Afinal, deve seguir a política de manter a isenção de tributos municipais a igrejas, clubes de elite e a oferta de descontos aos empresários em débito com o município. Enquanto isso, o auxílio emergencial da Prefeitura na pandemia é de três parcelas de R$ 100.
*Juliana Cardoso é vereadora (PT), vice-presidente da Comissão de Saúde da Câmara Municipal de São Paulo e integrante da Comissão de Defesa dos Direitos da Criança