Ao enviar à Assembleia Legislativa o Projeto de Lei Complementar 9/2024, que cria o Programa Escola Cívico Militar no Estado de São Paulo, o Governador Tarcísio de Freitas demonstra sua desconexão com as necessidades educacionais da população paulista e busca cumprir o compromisso do seu governo com o conservadorismo e o autoritarismo.

O projeto é tão ruim que mereceu um assertivo editorial do jornal Folha de São Paulo (12/3), sob o título "Ensino obscurantista". O editorial termina dizendo que, se o governo e os deputados querem melhorar a Educação, devem nela alocar recursos, em vez de se guiarem por ideologia obscurantista. Diga-se, aliás, que Tarcísio pretende criar um projeto caro, que atende poucos estudantes e que paga aos militares envolvidos salários bem superiores aos que recebem os professores e demais profissionais da Educação. Ao mesmo tempo, pretende cortar, em valores atuais, R$ 10 bilhões da Educação. Isto é inaceitável!

Qual é o papel social da escola de Educação básica? Prover aos estudantes formação sólida, para que tenham conhecimento e autonomia intelectual para tomar decisões quanto à continuidade dos estudos, vida pessoal e vida profissional e atuar na transformação da sociedade. Ora, como uma escola pode cumprir este papel se o seu projeto político-pedagógico está limitado por uma visão militarista que pretende formatar as mentes dos estudantes a partir de uma visão monolítica e ideologizada de Educação.

A pretexto de combater a indisciplina e a violência nas escolas, Tarcísio criminaliza os estudantes pobres, como se a solução para esses problemas não estivesse no campo educativo, com políticas educacionais corretas, mediação de conflitos e investimentos, e sim na presença da autoridade militar no interior das escolas.

Qualquer corporação militar tem o direito e a necessidade de capacitar quem pretende seguir a carreira militar. É uma formação específica, técnica, embora, mesmo nessas escolas, devam ser promovidos os valores humanistas, cívicos e democráticos que devem estar na base da nossa sociedade. Entretanto, tentar imprimir valores e métodos militaristas à formação básica voltada para os filhos e filhas da classe trabalhadora não tem o menor cabimento e afronta os princípios constitucionais sobre os quais se assenta a Educação brasileira. É um projeto, portanto, inconstitucional.

Quais são os principais princípios contidos na Constituição Federal? A liberdade de ensinar e aprender, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber; a pluralidade de ideais e concepções pedagógicas, a gestão democrática. Esses princípios estão ausentes ou são limitados nas escolas cívico militares pela imposição da disciplina típica de quarteis, padrão de comportamento, modo de vestir, corte de cabelo e outras normas restritivas que não coadunam com o ambiente escolar.

O conhecimento é fruto da curiosidade humana. A dúvida abre portas para novos conhecimentos.  E o saber não avança se não houver liberdade para questionamentos, pesquisas, debates.  A experiência tem mostrado que vigora nas escolas cívico militares o pensamento único e uma linha pedagógica rígida, que não propicia a sólida formação que todos almejamos para nossos estudantes.

Quanto à gestão democrática, nem se fala. A concepção de escola que defendemos tem no Conselho de Escola, democrático e com participação de professores, funcionários, estudantes e pais, o órgão gestor da unidade escolar, responsável pela elaboração e aplicação do projeto político pedagógico, que articula a formação geral básica com as especificidades e necessidades da comunidade na qual a escola está inserida. A escola cívico militar prioriza o aspecto disciplinar, inclusive com a presença de militares aposentados e até mesmo da ativa, que recebem incentivos salariais para cumprirem esse papel. Nessas unidades, prevalece a hierarquia sobre a democracia e o uso autorizado de armas em seu interior não combina com um ambiente frequentado por crianças e adolescentes.

Não há, portanto, nenhum aspecto positivo no projeto encaminhado pelo governador à ALESP e contará com nossa oposição e luta frontal para que não seja aprovado. Lembro, ainda, as vitórias judiciais conquistadas pela APEOESP contra a implementação de escolas cívico militares em diversos municípios e no estado como um todo.