Pensar na construção do racismo estrutural e como combatê-lo nos dias de hoje, é relembrar das lutas do movimento negro, social e de mulheres no combate às discriminações; por mais leis; segurança; o direito à vida da população negra (fundamentais na luta contra as desigualdades); o genocídio negro; por uma estrutura de qualidade na escola pública, uma vez que, crianças negras continuam a ter números crescentes quando o tema é evasão escolar; e os direitos dos trabalhadores informais negros e imigrantes.
Esses e outros tópicos estão difundidos nas redes sociais e na mídia, mas quando pensamos no mercado de trabalho que está ligado a tecnologia, em pleno 2022, o resultado é um espaço pouco democrático, com reproduções racistas e permanência do colonialismo digital, enquanto uma continuidade na dominação política, econômica, racial, social e territorial.
No colonialismo europeu clássico, apropriam-se das terras estrangeiras e exerce o controle sobre o território e a população que está presente, o processo vai evoluindo ao longo dos séculos e novas tecnologias vão sendo acrescentas ao longo dos séculos. No final do século XX, o cientista britânico Tim Berners-Lee criou um sistema em que os documentos dispostos na internet podiam ser acessados no formato de hipertexto.
O colonialismo digital está engendrado no domínio das “coisas” que constrói os meios de computação dentro no espaço digital, desde software até a parte de conectividade de rede. Tornou-se altamente ligado às ferramentas convencionais do capitalismo e do governo autoritário bolsonarista, incluindo a liberdade de expressão populacional, captura de políticas de dados dos usuários.
Quando juntamos esses pontos com a difícil implementação de inclusão especificamente nesse mercado de trabalho, no qual, sabemos que é interferir diretamente no modo de pensar do topo da pirâmide. É mexer com pacto narcísico. Um tipo de acordo tático da branquitude que é para ocupar permanentemente os espaços de poder e a sua defesa para manter os privilégios. Pensando nessa demonstração que a professora Cida Bento, psicóloga e doutora da USP, trás sobre o pacto narcísico, temos como exemplo a implementação das cotas nas universidades públicas, na qual, a elite e lideranças empresariais resistiram a ações afirmativas nos programas de trainee e estágio voltados a grupos específicos.
O direcionamento de vagas ou, engajamento explícito para candidaturas negras, teve repercussão ainda em 2020, quando a Magazine Luiza anunciou um projeto de seleção de trainee, cargo oferecido aos jovens recém-formados. Tendo como objetivo em alcançar a “verdadeira equidade através da riqueza que existe na diversidade”. No entanto argumentaram que a Magazine Luiza teria a intenção em excluir pessoas brancas, em razão da raça e etnia – racismo reverso, já que estaria disponibilizando vagas apenas para jovens negros(as). A controvérsia chegou ao Ministério Público do Trabalho em São Paulo (MPT-SP), que recebeu cerca de onze denúncias de “prática de racismo reverso”. Todas as denúncias foram rejeitadas pelo procurador Rafael Dias, que considerou a medida da empresa “uma política de ação afirmativa, um meio de ‘corrigir’ as discrepâncias históricas pelo passo escravocrata brasileiro”.
No que diz respeito às relações raciais no Brasil, sabe-se que foram mais de 4 milhões de africanos escravizados, com jornadas de trabalho superior a 16 horas diárias. Logo o racismo reverso não teria como existir ou ter sido construído, já que foi a branquitude mantendo o mecanismo do controle do lucro sob o trabalho escravocrata.
Diferente da Magazine Luiza, a empresa Linkedin, rede social direcionada para vaga de trabalho e que têm um quadro de funcionários majoritariamente por brancos, retirou as vagas prioritárias a pessoas negras e indígenas. O Linkedin informou que a postagem da vaga seria discriminatória e que vagas publicadas nas contas não podem demonstrar “preferência” por profissionais, seja por raça, idade, gênero, etnia, religião ou orientação sexual. Contudo o Supremo Tribunal Federal entende essa medida que as vagas inclusivas servem como reparação histórica em favor dos grupos subalternizados, que por meio da construção de espaços mais plurais e menos excludentes.
Se o “racismo reverso” surge com força nesses últimos tempos é reafirmar que Cida Bento discute, o acordo silencioso entre a branquitude, que aglutinam o apoio e fortalecimento aos seus semelhantes, sendo um pacto – branquitude.
A tentativa do privilégio e o não compartilhamento do poder da branquitude é trazer à tona, que a luta antirracista vem surtindo efeito nos últimos anos, já que o rompimento com a lógica do negro subserviente movimenta a branquitude. Se o antirracismo tem desencadeado tamanha reatividade na branquitude, tensionando o pacto narcísico, através da luta antirracista precisa seguir rompendo os espaços, conquistando direitos.
*Esse texto é uma série de três textos sobre colonialismo digital.