Há um debate muito interessante na mídia que vem despertando paixões. Afinal, o Brasil errou ou acertou com o seu voto na ONU sobre o conflito entre a Ucrânia e a Rússia? O chamado “campo progressista” saiu na frente e o CCN Notícias reuniu resumidamente essas reflexões para mostrar a você, leitor.
Para entender o caso, primeiro, é preciso voltarmos um pouquinho no tempo e olharmos para as origens do conflito. Em ordem cronológica, foi a partir de 2013 que grandes conglomerados financeiros e empresariais, sobretudo localizados nos EUA e Europa, passaram a financiar grupos políticos de extrema-direita para promover a derrubada de governos legitimamente eleitos. Estiveram nessa esteira; a Hungria, a Polônia e o Brasil entre outros. A Ucrânia também estava na lista.
O golpe que derrubou o presidente eleito da Ucrânia, Viktor Yanukovych, ocorreu em 22 de fevereiro de 2014, após violentas manifestações nas ruas da Kiev. Ao tomar o poder, a extrema-direita promoveu, dias depois, a ascensão de um comediante medíocre, sem nenhum histórico na política e sabidamente fascista; Volodimir Zelensky.
A primeira iniciativa do grupo fascista foi atacar o próprio povo que protestava contra o golpe. O principal alvo foram os habitantes da Região da Criméia, que já haviam decidido, num plebiscito legítimo e acompanhado por observadores internacionais, anexar a região à Rússia.
Em seguida, Zelensky iniciou agressões contra as populações das regiões de Donetsk e Luhansky, ambas na região de Dombas. As populações dessas duas grandes cidades, de maioria russa, também queriam separar-se da Ucrânia.
Diante da agressão ao povo russo que vivia na Ucrânia, da proximidade de Zelensky com a OTAN e na iminência da instalação de mísseis nas fronteiras com a Rússia, Putin não pensou duas vezes; deixou a política e a diplomacia de lado e ingressou com tropas em território ucraniano.
Putin não é santo. Pelo contrário. É um déspota. Um ditador ultranacionalista que não faria outra coisa senão o que todos nós já sabemos.
Depois de 1 ano de conflito, de milhares de baixas, de economias em frangalhos (tanto na Ucrânia e na Rússia, quanto em outros países da OTAN) mas com a contínua e insistente remessa de armas à Ucrânia, qual deve ser a postura de países como o Brasil, que não estão diretamente envolvidos no conflito?
É preciso lembrar que os únicos que estão lucrando até agora com a guerra são os EUA que, à cavaleiro, aquecem sua indústria armamentista, reforça sua hegemonia na OTAN, controla a mídia no mundo inteiro e, de quebra, dá recados bélicos à China.
Há alguns dias, a Assembleia Geral da ONU reuniu-se novamente para debater e votar sobre o assunto. O Brasil votou pela adesão do governo à recente resolução da Assembleia condenando a Rússia e exigindo que Moscou “retire imediata, completa e incondicionalmente todas as suas forças militares do território da Ucrânia dentro das suas fronteiras internacionalmente reconhecidas”.
Para o site progressista Brasil 247, esse voto representou uma tomada de posição do governo Lula e que a mudança significou uma “vitória dos EUA”. O site cobra das autoridades brasileiras um posicionamento explícito, até porque seria “difícil intuir os meandros que levaram a essa decisão”. O Brasil 247 considera o voto “uma guinada” precipitada e que implicou “numa escolha de um lado no conflito” o que poderia “dificultar a intenção do presidente Lula de servir como mediador da paz no conflito”. O site acredita que o Brasil poderia ter se mantido neutro, alegando ter herdado esse posicionamento do governo anterior em outras votações e, assim, ficaria ao lado dos países “não-alinhados” dos BRICs, e manteria uma posição mais confortável junto à China. Mas, agora, segundo o site, o Brasil, ao colocar-se ao lado dos EUA, fragiliza suas relações e isola-se entre os BRICs. Isso poderia refletir em um possível desprestígio nas relações bilaterais e ou na indicação de Dilma Rousseff para presidir o Banco dos BRICs. O site cobra explicações sobre quê benefícios poderia o Brasil conquistar com essa “concessão a Washington”.
O jornalista e editor do Ópera Mundi, Breno Altman, também é da opinião que o voto do Brasil “é muito grave”. Para o jornalista, a posição do Brasil endossa o entendimento que “atribui exclusivamente à Rússia todas as responsabilidades pela guerra da Ucrânia”. Para ele, o voto brasileiro não leva em consideração que a Rússia agiu em autodefesa diante da expansão da OTAN rumo ao Leste Europeu. O jornalista avalia que a nova resolução incluiu um trecho defendido pelo Brasil para conquistar o apoio do país e de outras nações. Fala numa “paz justa, duradoura e sustentável” que é uma parte do discurso do presidente Lula. Mas, segundo Breno Altman, este enxerto não tem qualquer conexão com um esforço sério de buscar a paz, porque isso só aconteceria se a Rússia se retirasse da Ucrânia, incluindo a Criméia.
Outro lado
No entanto, para o sociólogo e especialista em Relações Internacionais, Marcelo Zero, o “Brasil não mudou de posição e não abandonou a neutralidade”. O sociólogo afirma que muita bobagem é escrita sobre o assunto. Para ele, “desde o início, o Brasil condenou a invasão, o que não se confunde com o apoiamento direto ou indireto à guerra”.
Zero lembra que, em 25 de fevereiro de 2022, logo após a invasão, o Brasil também votou favoravelmente à Resolução do Conselho de Segurança da ONU, vetada pela Rússia, a qual demandava que a Rússia “retirasse imediata, completa e incondicionalmente” suas forças militares da Ucrânia e “revertesse” a decisão de reconhecer a independência das províncias do leste ucraniano de Donetsk e Luhansk, em guerra, uma vez que “viola a integridade territorial”.
Para o sociólogo seria uma incongruência o Brasil votar diferentemente da mesma proposta e Resolução do Conselho votada em 2 de março de 2022, quando a incursão russa foi considerada uma agressão à soberania de Kiev. Em 12 de outubro de 2022, a Assembleia da ONU voltou a discutir o assunto e adotou uma resolução condenando a anexação dos territórios ucranianos, incluindo o voto do Brasil. “Em todas essas votações, o Brasil votou da mesma forma e não mudou de posição. Sua postura continua sendo de “condenar a intervenção, mas recusar-se a apoiar as sanções e quaisquer esforços bélicos”. Houve ocasiões em que o Brasil se absteve nas votações como na questão da responsabilização unilateral da Rússia pela violação dos direitos humanos, lembra Marcelo Zero.
O que diferencia o Brasil nessa questão, segundo o sociólogo, é que, desde o início, Lula tem falado e agido eficientemente em prol da paz.
Marcelo Zero critica aqueles que não reconhecem a vitória da diplomacia brasileira. Segundo ele, a consideram “um retrocesso”, um “abandono da neutralidade” e, uma concessão aos EUA e aliados”. O Brasil tradicionalmente condena violações da Carta das Nações Unidas e a intervenção russa é, sob o prisma estritamente legalista, uma violação do sistema de segurança coletiva, avalia. Zero diz que “nenhum país dos BRICs se surpreendeu com o voto brasileiro. O importante é o Brasil não participar da guerra e das sanções e isso, sim, lhe dá condições de mediador. Para concluir, Zero afirma que, para o Brasil, a responsabilidade última sobre o conflito é dos EUA e aliados; não da Rússia.
Já o professor e analista geopolítico, Reginaldo Nasser, avalia que Lula está coberto de razão quando diz que não dá para conseguir paz e terminar o conflito se os EUA continuarem enviando armas. Nasser explica que, ao visitar Putin, em dezembro de 2021, Joe Biden, presidente dos EUA, ouviu todas as propostas do presidente russo para por fim à guerra na Ucrânia, mas rejeitou todas. Ao contrário, Bidem passou a intensificar o envio de armas à Kiev e, inclusive, derrubar Putin.
Discutir sobre guerra não é tarefa fácil, ainda por cima quando analistas avaliam que mais países podem se envolver nesse conflito. O que você acha?