Podem parecer assuntos completamente diferentes, mas não são. Comumente, atrelamos a moda ao estilo, consumo, aparência e, por vezes, consideramos como uma questão supérflua. E não conseguimos imaginar um político se preocupar com a sua roupa no cotidiano. Desse jeito, parece que não há maneira da moda se inserir nesse mundo ou vice-versa. Mas a moda e política tem uma ligação antiga e pouquíssimas vezes são abordadas juntas. A moda além de ser uma linguagem é uma importante forma de comunicação. Um líder político da esquerda geralmente usa a cor vermelha em situações importantes para demarcar qual é o seu posicionamento. O mesmo ocorre com a liderança da direita, mas com a cor azul.

Durante o Miss América de 1968, o Women’s Liberation Movement (Movimento de Libertação das Mulheres) protagonizou uma queimada, simbólica, dos sutiãs, e outros artigos atribuídos a mulheres, em praça pública. Denunciando a exploração comercial da mulher. O sutiã, então, se tornou marca da luta promovida por mulheres estadunidense do período.

Salto alto

O salto alto é um bom exemplo. Não se sabe ao certo de quem foi a autoria do salto alto. Uma versão mais rudimentar foi encontrada nos murais do Egito Antigo, de 3.500 a.C. Outra, surgiu na Idade Média, quando o sapato com o solado de madeira foi considerado o precursor do salto alto. Em ambos os casos, eram utilizados pelas classes mais altas ou pela nobreza, por ser um artigo de alto custo. Mas foi o Luís XIV que decretou o salto alto de uso apenas pela nobreza. O rei francês afirmou o sapato como um símbolo de luxo e, principalmente, de poder. O distanciamento literal do chão, causado pelo salto, impunha a imagem de hierarquia social. O olhar da nobreza é acima aos plebeus. O decreto teve seu fim na Revolução Francesa (1791), principalmente pelos ideais do movimento que consistiam na igualdade das classes sociais.

Alta-costura

A posição política de estilistas da alta-costura também já foram determinantes para os desenvolvimentos das marcas. Um caso emblemático é de Hugo Boss. O alemão Hugo Ferdinand Boss fundou a sua marca em 1924. E, em 1928, com o crescimento do Partido Nazista, começou a fabricar roupas aos seus membros. A relação fica mais estreita quando, em 1931, o estilista filia-se ao Partido Nazista. Durante a Segunda Guerra Mundial produziu vários uniformes para instituições nazistas, principalmente a Waffen-SS, braço armado da SS (organização militar do partido de Hitler). Ao final da guerra, Hugo Ferndinand Boss foi condenado por associação ao regime e por ter utilizado mão de obra escrava na confecção de suas peças. Cerca de 140 trabalhadores, a maioria de mulheres, foram forçadas a trabalhar na grife. Alguns prisioneiros de guerra franceses também foram submetidos ao trabalho forçado.

Nessa semana, dois casos no mundo da moda chamaram a atenção da mídia por envolvimento político. O primeiro foi o perfil no Instagram Moda Racista (@modaracista). A página criada por um perfil anônimo tinha como objetivo expor e denunciar casos de racismo dentro da indústria da moda. Diversos modelos e funcionários das marcas, algumas sem revelar suas identidades, compartilharam suas experiências. A Riachuelo e seu diretor criativo foram citados algumas vezes. Ralph Choate, responsável por todas as campanhas da marca, depois da denúncia foi afastado da empresa. Segundo os relatos, ele teria dito sobre a inclusão no mundo da moda: “Daqui a pouco, vou ter que escalar anão com vitiligo”.

Mas o caso que houve mais repercussão foi do ex-casal da moda Reinaldo Lourenço e Glória Coelho. As denúncias citam principalmente a seleção de modelos negros para seus desfiles, como a separação de modelos por cor e comentários ofensivos sobre cabelos afros. Glória mandou uma mensagem se desculpando diretamente a uma modelo que sofreu as ofensas. Já Reinaldo em entrevista a revista Veja comentou o assunto e disse que errou. Contudo, o estilista entrou com uma ação em caráter de urgência na 39ª Vara Cível pedindo para fechar a página no Instagram e que corresse em segredo de Justiça. A juíza negou o pedido ao entender que se tratava de censura, e racismo é um assunto de interesse público e social. Afirmando que o sistema jurídico disponibiliza o direito de resposta. Uma vez identificado o titular do perfil, poderá comprovar as alegações e buscar as indenizações cabíveis. A Justiça deu 48 horas para o Facebook (dono do Instagram) revelar a identidade do autor da conta, caso não cumprisse, pagaria multa de R$ 5 mil por dia. A conta, por sua vez, foi excluída pelo usuário. O perfil tinha mais de 50 mil seguidores e contava com muitos apoiadores da indústria da moda.

Outro caso com repercussão foi a indenização, por parte da União, para Ana Cristina e Hildegard Angel, as filhas da estilista Zuzu Angel. A ação que não cabe mais recurso, custará 500 mil reais pelo assassinato de Zuzu na ditadura militar. Zuzu Angel, que faria 99 anos nesse mês, foi uma das maiores estilista do país e utilizou sua arte para denunciar internacionalmente os assassinatos e tortura no país durante o regime militar. Seu filho, Stuart Edgar Angel Jones, foi militante do Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8). Ele foi preso, torturado e assassinado pela ditadura. A partir disso, Zuzu buscando o direito de enterrar seu filho, também passou a denunciar as práticas da ditadura à imprensa e a órgãos internacionais. Em 1971, realizou um desfile no consulado brasileiro em Nova York. Nessas peças eram estampadas com representações de tanques de guerra, canhões, pássaros engaiolados, meninos aprisionados, anjos amordaçados. Sua morte, em 1976, que na época foi classificada com “acidente de carro”. Em 1988, na Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos apontou o regime militar como responsável pela morte da estilista.

E agora, você ainda acredita que moda e política não se misturam?

Thaís Linhares

Cientista Política e mestranda da Unesp