Se vocês achavam que a resposta para o título acima seria negativa, sinto informar que, infelizmente, há muitos LGBTQIA+ reacionários. 

Vemos pessoas que são assumidamente gays/lésbicas ou que se reconhecem como transexuais se posicionando a favor do neofascismo brasileiro ou levantando pautas como a monarquia e o fim de direitos sociais. Há vereadores, deputados e até governadores que erguem o peito para rejeitar demandas referentes à sexualidade e ao gênero, mas que saíram do armário.

Um exemplo é o deputado Clodovil Hernandes, do Partido Progressista (PP), homossexual, avesso à parada do orgulho e assumidamente elitista. Ele faleceu em 2009, mas seu nome segue sendo evocado para definir um "ideal de homossexualidade" (ou pelo menos aquele que a direita quer ao seu lado: heteronormativo, rico e conservador). Clodovil ressurge em memes e postagens como um modelo a ser seguido, mas que no final era apenas mais um exemplo de como as imposições sociais podem moldar pontos de vista.

No ano passado foi publicada uma reportagem que entrevistava homens gays de direita. Um era monarquista, outro neoliberal, havia um neofascista, entre outros. Tais falas fazem muita gente se perguntar como essas pessoas podem aderir a grupos que são contrários a sua própria existência. Tentando responder essa questão, é importante lembrar que os sujeitos não aderem ou criam pertencimentos de maneira automática: "Sou gay, logo me identifico com o movimento e suas demandas". 

Em meio a uma sociedade homofóbica, não há como deixar de lado vetores como a imposição de comportamentos e o rechaço a certos grupos, o que acaba sendo naturalizado por uma parcela significativa da população. Vale lembrar também que o binarismo estanque entre feminino e masculino está enraizado no imaginário de muitos. Assim, uma pessoa pode se identificar LGBTQIA+, mas reproduzir certas posturas, como a rejeição ao "dissonante" (mesmo sendo, muitas vezes, visto como tal). 

Contudo, essa não é a única questão. A posição social, por exemplo, pode levar uma pessoa a se inserir em determinados espaços e, para ganhar visibilidade, reforçar falas e comportamentos de seus pares, como a exclusão de setores populares. Claro que ser rico não te torna necessariamente reacionário, mas pode ser utilizado para compreender o surgimento de certos olhares sobre a sociedade. 

A raça também é uma questão pertinente, pois, em um país profundamente racista, muitos acabam por reforçar a branquitude ao rejeitar a estética negra. O mesmo vale para os indígenas ou grupos regionais, como os migrantes nordestinos que vivem em São Paulo. 

As questões são variadas e extremamente complexas, mas o que quero ressaltar aqui é que não há como criar um padrão único para explicar a aderência de setores excluídos a teses excludentes. No caso das entrevistas e das pessoas supracitadas, uma análise sobre suas trajetórias pode nos ajudar a compreender um pouco desse fenômeno, mas não pode servir como um exemplo para o todo. Como qualquer indivíduo, uma trajetória é atravessada por um leque de questões e experiências, as quais nos fazem lembrar que os sujeitos não são coesos, lineares e muito menos homogêneos. Assim, existem sim LGBTQIA+ reacionários, mas estes o são devido a fatores temporais e sociais e não somente por uma questão pessoal. 

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Autoria
Roger Camacho - Doutor em História pela UFRGS, mestre pela UNIFESP. Professor na rede pública estadual e interessado em temas como gênero, Trajetórias de vida, branquitudes, memória e patrimônio.
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