Pajubá ou Bajubá é um dialeto ou criptoleto da linguagem popular constituída da inserção na língua portuguesa de numerosas palavras e expressões provenientes de línguas africanas ocidentais. Também muito usado pelo chamado povo do santo, ou seja, praticantes dos vários segmentos das Religiões de Matriz Africana e Afro- Brasileiras, tais como a Umbanda e Candomblé, e também pela população das mulheres transexuais e travestis brasileiras.

Ademais é um socioleto baseado em várias línguas africanas, afro-brasileiras e afro-religiosas usadas inicialmente em Terreiros de Aṣé e Casas de Candomblé. Criado originalmente de forma espontânea em regiões de mais forte presença africana no Brasil, como terreiros e casas de candomblé (Awọn Ilè). Outrossim, é o dialeto resultante da assimilação de africanismos de uso corrente, que por fim resultam na incompreensível linguajar para quem não aprendesse, ou não aprende, previamente seus significados, então esse “linguajar popular” a ser usado também como código entre a população das mulheres transexuais e travestis brasileiras e posteriormente adotado por todas as comunidades LGBTI e simpatizantes. Esse linguajar passou a ser utilizado pelas mulheres transexuais e travestis brasileiras, que se prostituiam, durante o período da ditadura militar como meio de enfrentar a repressão policial e despistar a presença de pessoas indesejadas.

Tanto nos terreiros de umbanda e casas de candomblé, assim como entre as mulheres transexuais e travestis brasileiras, a palavra pajubá ou bajubá tem o significado de "fofoca", "novidade", "notícia", referente a outras Casas de Aṣé ou fatos ocorridos, tanto de coisas boas, como de coisas ruins, nesses círculos.

Muitas vezes também dito como “falar na língua do santo” ou “enrolar a língua” muito usado pelo povo do santo quando se quer dizer alguma coisa para que outras pessoas não entendem.

Criado durante o contexto de ditadura militar, provavelmente entre as décadas de 1960 e 1970, o pajubá ganhou seu primeiro documento oficial em 1995. O livro ganhou o nome de “Diálogo de Bonecas”, e foi organizado por Jovanna Cardoso da Silva, “Jovanna Baby”, presidenta da extinta ASTRAL (Associação de Travestis e Liberados), do Rio de Janeiro e, atual presidentra do FONATRANS – Fórum Nacional de Travestis e Transexuais Negras e Negros. Entre as mais de 800 palavras listadas está o vocábulo “boneca”, uma das palavras que definem as mulheres transexuais e travestis brasileiras.

Pajubá ou Bajubá: dos Terreiros para as Ruas

O Pajubá ou Bajubá teve sua origem durante o período da ditadura militar (1964-1985) no Brasil, que durou 21 anos. Foi um regime autoritário que se iniciou com o golpe militar em 31 de março de 1964, com a deposição do presidente João Goulart. Esse regime militar estabeleceu a censura à imprensa, restrição aos direitos políticos e perseguição policial às pessoas opositoras ao regime. E com derivação nos dialetos iorubá e nagô, esse vocabulário reúne apropriações linguísticas feitas pela população das mulheres transexuais e travestis brasileiras, o qual era, e ainda é, essencial para resolver o estranhamento causado pela combinação entrecruzada e pouco usual de palavras e verbetes do dicionário nacional. Afinal, a mescla de português informal com uma fala próxima às línguas africanas pode soar incompreensível à primeira vista – principalmente se você não tem a mais remota ideia do que se trata o Pajubá ou Bajubá.

Conhecido como uma dialética universal das mulheres transexuais e travestis brasileiras, o Pajubá ou Bajubá é muito mais que um punhado de gírias divertidas, como “lacre”, “bafo” ou “uó”. Cada vez mais esse linguajar é incorporado ao vocabulário de muitas pessoas, especialmente ao da juventude, mas possui raízes históricas e, o mais importante, de resistência e resiliência.

O Pajubá ou Bajubá surge da, e na, fusão de termos da língua portuguesa com termos extraídos dos grupos étnico-linguísticos nagô e iorubá — que chegaram ao Brasil com os povos africanos traficados e que foram duramente escravizados, originários da África Ocidental — e reproduzidos nas práticas dos diversos segmentos das religiões de matriz africana e afro-brasileiras. Os terreiros de umbanda e casas de candomblé sempre foram espaços de acolhimento para as minorias, incluindo a parcela da população das mulheres transexuais e travestis brasileiras, que passou a adaptar os termos africanos em outros contextos.

História do Linguajar

Em 31 de março de 1964, o país entrava num período marcado pelo cerceamento dos direitos sociais, civis e políticos daquelas pessoas que lutaram e resistem, até os dias de hoje, contra a opressão do autoritarismo e da tirania política. A ditadura militar, ao longo de seus 21 anos de duração, perseguiu, torturou e assassinou, aproximadamente, 20 mil pessoas, segundo dados da organização internacional Registro de Direitos Humanos (Human Rights Watch), incluindo integrantes da população das mulheres transexuais e travestis brasileiras e demais pessoas LGBTI, que se tornaram alvos específicos por meio de operações focadas nesse grupo.

Durante este período, a censura foi uma prática recorrente na invisibilização da população das mulheres transexuais e travestis, que não podiam ser mencionadas ou mostradas em jornais e programas de TV, salvo em raras exceções, como a manchete de 1º de maio de 1980, na qual o jornal O Estado de São Paulo publicou: “Polícia já tem plano conjunto contra travestis”.

Para o poder público e demais autoridades da época, os valores e costumes transgressores desse grupo minoritário eram vistos como ameaçadores à juventude e ao regime arbitrário e ditatorial.

O endurecimento se intensificou entre os anos de 1980 e 1985, quando o delegado José Wilson Richetti ordenou a prisão em massa de inúmeras mulheres transexuais e travestis através dos temidos “rondões” que levaram mais de 1.500 pessoas à prisão só na cidade de São Paulo. Em 1987, mesmo após o fim do regime militar, a polícia manteve o hábito e deu início à Operação Tarântula, com o objetivo de caçar e prender, por motivo de vadiagem, inúmeras mulheres transexuais e travestis que se prostituíam na capital paulista.

Torturas, espancamentos e extorsão eram recorrentes contra aquelas que fossem detidas e, como forma de escaparem da prisão, muitas delas acabavam cortando os pulsos. Como o Brasil passava por uma histeria coletiva contra o HIV/AIDS, o medo que os policiais tinham de contrair o vírus era maior do que o desejo de punir as mulheres transexuais e travestis e, consequentemente, acabavam “libertando-as”.

Hoje, lutamos e resistimos pela justiça e memória de todas as mulheres transexuais e travestis que foram injustamente torturadas por um governo discricionário, autoritário e assassino, que expuseram suas reais identidades femininas e que ao lutarem pela democracia, cidadania, por dignidade e representação de seus direitos foram massacradas. Atualmente, temos muitas ‘datas comemorativas', como o Dia 29 de Janeiro e o Dia 15 de Maio, onde são comemorados respectivamente o Dia da Visibilidade Trans e o Dia do Orgulho de Ser Travesti e Transexual em todo o Brasil, o que significou, para o atual governo federal, o início de um regime duro e covarde para com essa população, que afirma, com veemência, uma falsa ideologia de gênero feminina, que pode ser implantada pelas mulheres transexuais e travestis brasileiras.

Ressignificação

Pajubá ou Bajubá é o nome dado para o “dicionário” com os dialetos e gírias da população das mulheres transexuais e travestis brasileiras, que são bastante usadas por muitas pessoas que aderiram a essas ‘palavras’.

 Com o passar do tempo, a tendência que esse vocabulário seja mais e mais usado, por causa da luta política, por cidadania e respeito, do movimento social das mulheres transexuais e travestis brasileiras e, com uso contínuo dos termos dessa parcela da população, serve como ponto positivo e de ressignificação para o convívio e interação com a sociedade como um todo.

Apesar de ser instrumento identitário para expressar uma linguagem tipicamente da população das mulheres transexuais e travestis brasileiras, esse linguajar acaba por se encruzilhar na léxica nacional, transbordando para além desse grupo, pois à medida que essa fala é progressivamente continuada essa população vai conquistando, sendo inserida e incorporada em mais espaço com e por legitimidade social.

Mais do que criar termos que se aproximem de gírias no português brasileiro, o pajubá ou bajubá reúne também várias características linguísticas próprias. Isso aparece, por exemplo, quando um movimento de expressão de fala performático reforça que o dialeto cria uma noção de cultura. Pois, se de um lado, pode ser usado como por meio de inspirações dos muitas segmentações das religiões de matriz africana e afro-brasileiras, que são uma das poucas que incluem a população das mulheres transexuais e travestis, no entanto, algumas Casas de Aṣé ainda têm restrições e julgamentos morais, preconceitos por intolerância transfóbica estrutural pela expressão da identidade feminina, Dessa forma é também uma maneira da auto-afirmação da expressão identitária social feminina, para a sociedade androcêntrica cishegemônica, da população das mulheres transexuais e travestis brasileiras entre outros grupos sociais e coletivos, já que as mesmas ainda são continuamente marginalizadas, estigmatizadas e violentada cotidianamente.

A questão das transexualidades e travestilidades perpassam, transitam e se entrecruzam entre as classes sociais, assim como a intolerância transfóbica e as violências estruturais contra as identidades de gênero feminina das mulheres transexuais e travestis brasileiras, uma vez que, muitas artistas, atrizes e cantoras mulheres transexuais e travestis que não têm sua produção valorizada, porquanto grande parte delas está fora do mercado formal de trabalho, mesmo com excelentes formações acadêmicas, talentos próprios, projetos e experiências, ainda estão excluídas e subalternizadas somente porque um dia expuseram suas reais identidades femininas e afirmam-se como mulheres transexuais e/ou travestis.

Autoria
É formada em Serviço Social pela UNESP de Franca-SP; Pós-Graduada em Direitos Humanos e Sexualidade pela UERJ; Coordenadora Nacional da CONATT; Secretária Executiva Geral da ANTRA; Coordenadora Estadual do FONATRANS em São Paulo; Presidenta do Instituto APHRODITTE-SP; Integrante da Comissão LGBTI da ALESP; Coordenadora Adjunta do FPLGBTI e colaboradora do CCN Notícias.
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