Se você é frequentador das redes sociais já deve ter visto por aqui um post que se solidariza com os/as historiadoras, mas se não viu, a frase de apoio é mais ou menos assim: “Tenho pena dos historiadores que terão que explicar o rebosteio que foi o governo Bolsonaro”, ou então, “imagina no futuro, a vergonha de ter que explicar o que foi esse período.”

Quero dizer aos solidários que infelizmente não somos futurólogos, mas posso afirmar, olhando em retrospecto a nossa história, que há determinada tendência ao não rechaço dessas figuras polêmicas. Elas passam batido. Porque assim fosse, nós não teríamos até hoje a “bela” estátua de 10 metros do bandeirante Borba Gato, enfeitando o Estado que é tido como o “coração do Brasil” (risos).

Quando me perguntam como explicaremos esse momento, a primeira coisa que me vem à mente é o Borba Gato. Por quê? Ser um país de herança escravista acirra esse comportamento elitista que rejeita qualquer estrutura de combate. Então, veja o cenário: temos determinado grupo de pessoas que sabe a importância de “entrar pra história” e nada de braçada nas estratégias de comunicação, e outro grupo que tem cautela de enfiar o dedo nas feridas da história, porque há que se ter muito cuidado ao mexer nos testemunhos do passado.

Fato é que, aplaudimos as populações boliviana, chilena e colombiana, vibramos quando uma estátua é derrubada e passamos horas discutindo políticas com especialistas sobre educação patrimonial ao Borba Gato, para não modificar radicalmente a paisagem da cidade. Há também debates sobre ‘se quebrar vidraças de bancos privados em protesto é violento’, análises de botinas pra ver se quem quebrou o vidro é anarquista ou não, e claro, por que temos “1556 pessoas e mais de 550 organizações” que assinaram pedidos de impeachment e até agora, nada!

Justo o Brasil, que de pacífico não tem nem o oceano (vocês me perdoem o trocadilho), gosta de se ver e ler na história como o paladino da paz, protetor da ordem e do progresso, no significado mais patriarcal dessas palavras.

Toda vez que me perguntam ‘como vamos explicar esse momento?’, penso na imagem de 2020 cheia de elementos históricos: a estátua do Borba Gato ao fundo sendo protegida 24h por duas viaturas da GCM (Guarda Civil Metropolitana) e os transeuntes na calçada de máscara, que nem olham pra cena, porque no meio de uma pandemia deviam estar preocupados com o preço do leite.

 Aos cautelosos defensores dos grandes momentos, não se preocupem, nenhum dos grandes B vai cair, ainda. Aos ansiosos por esse dia, temos muito que fazer. 

 

Autoria
Lorrane Rodrigues é educadora e mestra em história cultural. É cocriadora do “Mandei a Acadêmica Chorar”, um podcast sobre educação e comunicação. Atualmente pesquisa sobre violência de Estado na América Latina a partir dos movimentos de mães.
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