Para que esse artigo de opinião cumpra o seu papel e consiga se comunicar corretamente com o leitor, algumas coisas tem que ficar previamente combinadas: a primeira delas é que embora o título possa soar um pouco arrogante, já que quem seria eu para apontar os erros das duas maiores lideranças da esquerda e centro-esquerda e peças chaves para a derrota de Bolsonaro em 2022, mas parto da ideia de que todos nós, enquanto militantes de esquerda, temos que exercitar mais a crítica às nossas lideranças e sempre ter em vista que o personalismo leva ao erro.

Outro combinado importante é o recorte histórico: Ciro Gomes (PDT) e Lula (PT) são lideranças nacionais com currículos repletos de grandes contribuições para o nosso desenvolvimento político, econômico e social. Logo, em suas trajetórias, existem muitos acertos e alguns erros que não poderiam ser analisados neste artigo. Proponho, então, que analisemos o comportamento destas lideranças nos dias anteriores ao registro de chapa para a disputa presidencial de 2018, já que as decisões tomadas nesses dias influenciam a esquerda até hoje.

Os dias pré-registro de chapa foram de intensa movimentação política nos bastidores: Lula liderava as pesquisas em intenção de votos, mas estava preso e inelegível – todas as movimentações partiam da premissa de que a melhor estratégia para o PT seria registrar o Lula como candidato e um vice que pudesse herdar seus votos quando sua candidatura não fosse autorizada pelo Tribunal Superior Eleitoral. Existem muitas informações desencontradas sobre essas negociações e o que proponho aqui é uma tentativa de elucidação sobre o que ocorreu, de fato, e sobre o que poderia ter sido feito de diferente para que a vitória não nos escapasse.

De todos os acordos feitos naqueles dias, um bem conhecido e visto como erro (de forma quase consensual por analistas) é o pacto do Partido dos Trabalhadores (PT) com o Partido Socialista Brasileiro (PSB) – que envolvia afastar o PSB das candidaturas presidenciais de Ciro e Geraldo Alckmin (PSDB) e neutralizaria uma candidatura do PSB em Minas Gerais (na época governada pelo PT). Em troca, Pernambuco não teria Marília Arraes (PT), que ia bem nas pesquisas, como candidata. Tudo isso estava sendo articulado em nível nacional pela direção do PT com o aval de Lula. Inicialmente, esse acordo serviu para prejudicar bastante a candidatura de Ciro – que acabou isolado e não contando com nenhum partido além do seu para a disputa presidencial. Em um segundo momento, com o desenrolar da eleição, este acordo se mostrou um desastre para o PT que além de perder em Minas – não passando nem do primeiro turno, perdeu a Presidência no segundo turno, vendo Ciro adotar uma postura bem mais crítica ao Lula e ao PT, já que havia ficado evidente a articulação feita para prejudicar sua candidatura de ganhar corpo. Ainda sobre esse acordo infrutífero para o PT, é importante dizer que o PSB conseguiu o que queria e manteve o controle em Pernambuco sem passar pelo desgaste que o Partido dos Trabalhadores passou.

Mas toda essa articulação ainda é secundaria se pensamos na escolha do vice de Lula – que seria o futuro candidato contra o Bolsonaro no segundo turno. Ciro estava se movimentando corretamente. Ele vinha já há algum tempo sendo um importante aliado do PT e defendia fielmente a análise do impeachment de Dilma como um golpe branco, além de enxergar a prisão de Lula como perseguição política. Com seu discurso próximo ao do PT, cresciam as vozes internas no partido que entendiam o apoio ao Ciro como uma forma inteligente de ganhar as eleições. Podemos destacar Fernando Haddad (PT) que, publicamente, afirmou que aceitaria ser vice de Ciro e também o fato de que o senador Jaques Wagner (PT), influente liderança do nordeste, demonstrou em diversas oportunidades o desejo de que o Partido dos Trabalhadores apoiasse a candidatura de Ciro.

Por outro lado, algumas páginas e blogs ligados à direção do PT estavam se utilizando de ataques a candidatura de Ciro – o que demonstrava que, para boa parte da direção petista, apoiar um candidato que não fosse do partido estava fora de questão. Esse comportamento atrapalhou (e muito) as negociações. Nesse contexto, a esquerda se rachou entre petistas que entendiam a necessidade de resistir ao golpe e à prisão política de Lula através de uma candidatura que representasse a narrativa do PT e ciristas que começaram a se organizar em torno da defesa de uma candidatura que conseguisse contornar o antipetismo. As duas visões tem seus méritos e continuam relevantes até hoje, mas podemos abordar em outro momento estas diferentes visões da esquerda.

A divisão citada acima levou a um impasse que vivemos até hoje: só um candidato petista ou apoiado pelo PT chega ao segundo turno, fato que evidencia a força do partido que por mais tempo governou o Brasil democraticamente, mas o antipetismo passou a ser um adversário difícil de ser combatido pelo PT – que vem levando a pior nesses embates. Só haveria uma forma de compor as forças políticas esquerdas e progressistas de modo unificado naquele momento: Lula seria registrado como candidato e Ciro como seu vice, o substituindo como cabeça de chapa quando o TSE impugnasse sua candidatura. Porém, esta composição dificilmente ocorreria, visto que setores do PT eram reticentes a isso. Mas olhando para trás, não havia outra opção. O único modo de manter uma narrativa contra o golpe e contra a perseguição que Lula estava sofrendo e ter um candidato competitivo e com chances de driblar o antipetismo no segundo turno era esse.

À luz da história, sabemos que a união das esquerdas é essencial para derrotar o bolsonarismo e uma composição entre Lula e Ciro era a única forma de isso ocorrer em 2018. Então é importante sabermos o porquê desta aliança não ter acontecido.

Para começar, na época não tínhamos muitas informações sobre as negociações de bastidores. Já se sabia que o PSB se manteria neutro e que o Partido Comunista do Brasil (PCdoB), que tinha lançado Manuela D’Ávila, estava esperando para ver as ofertas do PT e PDT. Também se sabia que o PT estava tentando um último contato com Ciro, mas não tínhamos acesso ao conteúdo da proposta que teria sido feita. Posteriormente, Ciro chegou a admitir publicamente que recebeu a oferta de ser vice de Lula e depois candidato em seu lugar, mas que recusou fazer parte do que ele nomeou como “fraude”. E, se o PT errou em trabalhar pela neutralidade do PSB, Ciro conseguiu implodir a última chance de unificar os setores progressistas em 2018. Mesmo que essa composição perdesse ela seria mais competitiva que a que foi de fato lançada e hoje teríamos uma esquerda mais unida. Até mesmo o Ciro estaria em uma situação mais favorável do que está hoje.

Mas mesmo Ciro tendo admitido que cometeu o erro de recusar a oferta de ser candidato com o apoio do PT, alguns ciristas defendem a narrativa de que só o protagonismo petista impediu uma aliança em 2018, o que obviamente não é toda a verdade – já que mesmo levando a negociação ate o último dia e agindo de modo equivocado com relação ao Ciro, no final, o PT tomou a decisão mais acertada para criar uma chapa de união. E mesmo que houvesse dúvidas sobre a fala do candidato do PDT, posteriormente Haddad confirmou a oferta recusada por Ciro, assim como seu apoiador, Mangabeira Unger, que também corrobora a visão de que foi um erro gigante recusar a oferta de Lula de ser seu vice e, posteriormente, cabeça de chapa.

Infelizmente, não estaríamos nesta situação se todos os grupos políticos e suas lideranças não tivessem suas coleções de erros e reconhecessem as falhas de seus partidos ou correntes, sendo filiado ou simpatizante. Isso é mais importante do que somente apontar os equívocos dos outros partidos progressistas.

Muitos erros foram cometidos por ambos os lados, mas entendo que a relutância do PT em firmar uma aliança sólida com Ciro e, em seguida, a recusa por parte de Ciro de ser candidato nas condições postas pelo PT são os desacertos iniciais que nos deixaram na situação atual e precisamos urgentemente nos recompor desses enganos cometidos no passado para, de fato, vencermos Bolsonaro.

Só temos este ano de 2021 para nos reorganizar para o pleito de 2022. Cabe a nós, militantes de esquerda, de diferentes segmentos, abaixar as armas que levantamos uns para os outros e nos esforçarmos em organizar uma pauta mínima, tendo a humildade de saber ceder nas negociações, pois somente a composição de forças nos levará à vitória.