Os liberais costumam fazer uso das palavras “modernizar” e “modernização” como recurso retórico para conferir características positivas a algo que impactará, negativamente, trabalhadores e a população em geral. Durante o governo Michel Temer (2016-2018), por exemplo, a chamada Reforma Trabalhista era associada à “modernização” das relações de trabalho. Na prática, no entanto, significou perda de direitos e precarização acentuada das condições de vida e de trabalho da classe trabalhadora – que não observou aumento de empregos, vale lembrar. Em suma, quando um liberal fala em “modernização”, a consequência será, parafraseando o Grupo Molejo, “cilada, cilada, cilada”.

Em 2021, a palavra “modernizar”, novamente, foi aplicada com teor semelhante. Em mais de uma ocasião, Arthur Lira (Progressistas-AL), presidente da Câmara dos Deputados, defendeu a suposta necessidade da PEC 32/2020, a PEC da Reforma Administrativa, para “modernizar” os serviços públicos e conferir maior “eficiência” – outra palavra recorrente na retórica liberal. Cilada! Cilada! Cilada!

Primeiramente, é preciso caracterizar o imaginário que se criou sobre o funcionalismo público e os serviços públicos em geral. Não é incomum retratarem repartições públicas empoeiradas, com pilhas de arquivos e funcionários desanimados e/ou sedentos para exercer seus “pequenos poderes”. A grande imprensa colabora com esse discurso, inclusive, tachando de “privilegiado” o funcionalismo público. Foto de capa ilustra o momento em que o Ministro da Fazenda, Paulo Guedes, diz na fatídica reunião ministerial de 22 de abril de 2020, que os servidores públicos são “inimigos” e que deve ser colocado uma granada em seu bolso, ao se referir à reforma administrativa.

A narrativa dos “privilégios” é questionável. É inegável a existência de uma elite onerosa no funcionalismo público, composta de juízes, membros do Ministério Público, militares de alta patente e políticos. Juízes, que representam o “teto salarial” do funcionalismo público, por exemplo, recebem, além de um salário de cerca de R$39,2 mil, contam com uma série de auxílios: moradia, alimentação, saúde, compensação por férias não tiradas... Essa elite, no entanto, representa uma parcela minoritária. A maioria absoluta dos servidores públicos está inserida em segmentos notórios pelo grau de precarização do trabalho. Professores(as), assistentes sociais, enfermeiros(as), agentes do serviço funerário... Basicamente, trabalhadores que, de fato, atendem a população diariamente. Privilégios? Já entrou em uma escola pública? Acompanhou o trabalho de um assistente social? Quais os privilégios dos(as) enfermeiros(as) que estão, atualmente, na linha de frente contra a covid-19?

A Reforma Administrativa representa um duro golpe, não somente contra o funcionalismo público, mas contra serviços públicos e a população em geral. Trata-se de uma tentativa de tornar o Estado ainda mais aparelhado por interesses privados – aparelhamento que já não é irrisório. A Nota Técnica nº 254, produzida pelo DIEESE, aponta que a PEC abre brecha para a privatização dos serviços públicos, inserindo empresas e organizações privadas, cujo objetivo, bem sabemos, é o lucro e não políticas públicas. Atualmente, por exemplo, organizações sem fins lucrativos – como as OS, Organizações Sociais –, já exercem funções semelhantes em segmentos como na área da saúde, não necessariamente trazendo a “eficiência” que os liberais dizem defender.

Um dos pilares que a PEC promete atacar é a estabilidade do servidor público, constantemente associada a uma espécie de “privilégio”. Na próxima semana, detalharei o porquê de ser mais uma armadilha. 

Autoria
André Fernandes - Professor de escola pública, mestre e graduado em História pela Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP). Um inconformado convicto.
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