Admito que já estava na torcida para ver Trump perdendo as eleições. Ao que tudo indica, minha torcida foi recompensada. Mas, como brasileiro, ainda pergunto; o que a derrota de Trump e a vitória de Biden significam para nós?

Como sabemos, tanto democratas quando republicanos não são diferentes quanto à ingerência em países estrangeiros como a Venezuela, por exemplo. Ela vai continuar a sofrer sanções econômicas, independente do governo. Já outros países, como a Síria, no passado teriam tido mais problemas com os democratas do que tiveram com Trump e o contrário vale para o Irã que teve fortes tensões com a atual gestão republicana, enquanto que, com o governo democrata, seria possível melhor nível de diplomacia. Então, dependendo do momento e do país, democratas e republicanos podem apresentar diferenças quanto à política externa.

No caso do Brasil, não precisamos nos preocupar em sermos invadidos pelos EUA, independente de quem ganhar oficialmente por lá. Mas, simbolicamente, estas eleições são importantíssimas para a política nacional. As similaridades entre Trump e Bolsonaro são gigantescas. Quer dizer, uma derrota da extrema direita nos EUA abalaria alguns alicerces da extrema direita brasileira.

Porém, não podemos cometer o erro de achar que basta Trump perder nos EUA para que a extrema direita no Brasil e no mundo se recolham. Enquanto Trump passou quatro anos apostando na radicalização verbal, Bolsonaro, com a ajuda do “centrão”, demonstrou conseguir trabalhar naturalmente bem com a “velha política”, o que pode trazer mais dificuldades para derrotá-lo na próxima eleição.

Mas, deixemos as batalhas futuras para depois e voltemos a comemorar os bons ventos atuais. A vitória de Biden isola o governo Bolsonaro como nunca antes visto na história de política externa brasileira. É impossível achar que o Brasil não vai ser obrigado a mudar de rumo sem seu fiador atual. Se os militares e o “centrão” conseguiram enfraquecer a ala ideológica nas questões domésticas, agora é a vez de matar o que restou do reduto bolsonarista original.

Para quem gosta de uma fezinha, eu indicaria apostar na queda dos Ministros do Meio Ambiente, Ricardo Salles, e de Relações Exteriores, Ernesto Araújo, como desdobramentos positivos decorrentes da vitória de Biden.

Biden já evidenciou que as questões ambientais voltarão a ser prioridade em seu futuro governo e pesarão nas decisões de política externa. Para evitar desgaste com os EUA, é muito provável que Bolsonaro demita Salles para tentar fugir das críticas internacionais contra sua política ambiental criminosa.

Manter o Ministro Araújo também se tornou improvável. Sua única utilidade para Bolsonaro é ser tão submisso a Trump, quanto o próprio presidente. Agora, para ter um Ministério de Relações Exteriores com alguma função, Bolsonaro vai ter que arrumar um Ministro que consiga ter uma credibilidade mínima, o que não é o caso de Araújo.

Se não é possível garantir que a derrota de Trump é o prelúdio da derrota de Bolsonaro, pelo menos, podemos afirmar que a ala ideológica do governo Bolsonaro sai muito enfraquecida com essa derrota e que o “centrão” e os militares agora têm tudo para adestrar o governo também nas relações internacionais.