O Chile passou por eleições no último domingo e naturalmente temos medo do quadro que se desenhou. Primeiramente, pelo fato de um dos lados (a ultradireita) ter saído ligeiramente à frente nas apurações. Também, pelas incertezas em relação ao impacto desse fato nos trabalhos de uma assembleia constituinte costurada a duras penas. 

A ultradireita é representada por José Antonio Kast, um advogado que já foi deputado e membro de um grupo ultranacionalista, a União Democrática Independente (UDI). Ele é filho de migrantes alemães que foram acusados de contribuir com o regime ditatorial de Augusto Pinochet (1973 - 1990) e membro do grupo ultraconservador católico Schoenstatt. 

Já a esquerda será representada por Gabriel Boric, um ex-deputado e ex-líder estudantil que nasceu em Punta Arenas. Ele é o candidato mais jovem a concorrer ao Palácio de La Moneda desde a abertura política (1990). Iniciou sua trajetória como candidato independente, mas ganhou espaço na Convergência Social e posteriormente em outros setores do campo progressista chileno. 

Mesmo assim, vale sempre lembrar que os fatos não são dados e que tudo é possível. Nesse sentido, há que se lembrar que o voto não é obrigatório no Chile, o que pode cambiar significativamente o cenário a depender da participação nos eleitores no segundo turno. Além do mais, a falta de participação popular sinaliza que o apoio a Kast não é tão forte quanto as urnas deixam parecer. Por fim, Boric conta com apoio de outros setores da política chilena, os quais temem o radicalismo de Kast. Posso parecer deveras otimista ao dizer essas palavras, mas minha intenção aqui é tentar contemplar os diferentes cenários e possibilidades. 

Um sopro de alívio seria pensar que a Assembleia Constituinte é soberana, passando acima do próprio poder Executivo. Nela, há a presença expressiva de povos originários, como os Mapuche, e de setores progressistas, o que possibilitaria mudanças substanciais na ordem do dia do Chile. Entretanto, não podemos idealizar os seus trabalhos, pois há bancadas com interesses opostos àquilo que foi posto nos protestos de 2019.  

De uma forma ou de outra, não há como prever o futuro e muito menos dizer quem vai ganhar. Sou extremamente crítico a modelos de análise monolíticos que tentam analisar a América Latina em bloco ou prever o futuro como se este fosse um jogo de tabuleiro. Há sim um ascenso da direita, mas o tempo e os fatos sempre podem oscilar. Os videntes políticos não diziam (em 2019) que a esquerda voltaria tão rápido ao poder na Bolívia ou que seus pares ganhariam as eleições no Peru. Voltando ao Chile, só saberemos quem será eleito em dezembro. Até lá, só nos resta esperar e torcer para que o fascismo não passe, lutando do lado de cá para conter nossos próprios opressores.

Autoria
Roger Camacho - Doutor em História pela UFRGS, mestre pela UNIFESP. Professor na rede pública estadual e interessado em temas como gênero, Trajetórias de vida, branquitudes, memória e patrimônio.
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