Antes de mudar de área de pesquisa, passei o mestrado investigando sobre  uma manifestação cultural chamada “freak show”, que eram diversas formas de espetáculo em espaços de lazer onde pessoas com deficiências físicas e/ou intelectuais se apresentavam. É difícil desatrelar a questão eugenista do tema, mas me interessava os símbolos e as práticas sob estes corpos, que perpassam a outras manifestações culturais, já que esses espetáculos estavam em declínio e a questão já havia sido absorvida pelo ponto de vista da medicina (a partir de 1920).  

Obviamente, de lá pra cá muita coisa mudou graças às lutas dessas pessoas na conquista de direitos. No entanto, caminhamos a passos curtos a respeito da nossa visão sobre esses sujeitos, o que Jean Courtine chamou de “apetites visuais”.  

Chateada com o fim das Olimpíadas, voltei rapidamente à felicidade ao lembrar que em seguida teriam as Paralimpíadas, (não sei se vocês sabem, mas o Brasil tem excelentes paratletas e as competições são incríveis). Mas, para minha decepção, não surpresa, além do assunto ser colocado de escanteio, outra vez vi o movimento comum dos veículos de imprensa, alimentando nossos apetites pelo discurso da superação.

Infelizmente, não tenho caracteres suficientes para especificar alguns pontos, mas de modo geral quero dizer que as narrativas criadas para esses corpos dissidentes passam pelo lugar do igualar o eu. Explico. Se lá no começo do século XX uma das justificativas era a da crueldade das práticas culturais e a desumanização destas pessoas, essas práticas ainda permanecem no audiovisual, mas de modo asséptico (olha aí a medicina).

No caso dos paratletas, a noção da superação está presente em quase todas as narrativas de representação. Se passamos da leitura entre não ser mais lido como o “estranho”, o “monstro”, mas alguém “com alma” (termos do séc. XX), agora é aquele que supera sua “limitação” para ser visto como um sujeito. Para não hesitar e escapar nosso olhar à diferença é preciso aproximar o outro a uma realidade que nos é confortável. Então vemos paratletas que subiram todas às vezes ao pódio dando entrevistas explicando como treinam sem enxergar, sem parte de um braço. Aqui estão nossos “Campeões da Vida”, assim chamados em uma divulgação do “Plim Plim.”

Paratletas passam anos se preparando com uma rotina dura, complexa, disciplinada e desvalorizada (esportista no Brasil) e nós os lemos pela régua do nosso constrangimento. Quanto mais longe do nosso olhar esses corpos, maior o apreço e até mesmo compaixão e quanto mais perto, mais precisamos de histórias que os validem, porque a proximidade carnal, por si só, ainda perturba.

Assim, se a palavra superação ainda ronda nossos textos e olhos, talvez possamos tomá-la para nós e passarmos dessa fase para admirar essas pessoas pelo que elas são: paratletas bons para caramba!

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Autoria
Lorrane Rodrigues é educadora e mestra em história cultural. É cocriadora do “Mandei a Acadêmica Chorar”, um podcast sobre educação e comunicação. Atualmente pesquisa sobre violência de Estado na América Latina a partir dos movimentos de mães.
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