A pandemia trouxe muitos desafios para os liberais em todo mundo. Se podemos ter uma certeza do pós-pandemia é que a terceira década do século XXI vai ser marcada por intensos debates econômicos e os liberais não vão ser hegemônicos como na última década do século passado.

É verdade que os últimos tempos também foram de contestação a políticas econômicas liberais. Dois grandes exemplos disso são a revolta generalizada que tomou conta das ruas do Chile contra a herança econômica da ditadura de Augusto Pinochet, que privatizou um grande número de empresas estatais e o sistema de previdência e o comportamento de Donald Trump com seu protecionismo econômico destoando do pensamento liberal clássico bem no centro do capitalismo mundial.

Os próximos anos prometem ser uma continuidade desse embate, só que agora com uma aceleração dos fatos devido à pandemia. Esse novo cenário foi inaugurado pela China que, ao ser o primeiro país a sofrer com a pandemia, também deu os primeiros passos assertivos em seu enfrentamento.

O estado forte Chinês foi fundamental para o controle da pandemia e para a redução de danos na economia. A China conseguiu usar a autoridade do Estado para garantir o isolamento social rigoroso e injetou bilhões em sua economia, possibilitando uma provável forte recuperação após as perdas do primeiro trimestre.

Mesmo com o enfraquecimento do Estado de Bem-Estar Social europeu, que vem se deteriorando desde a década de 1980, ele ainda mostrou o seu valor. A Europa sofreu mais do que a China, mas conseguiu, através do isolamento rígido, reduzir os números de mortos e infectados gradativamente. Os sistemas públicos de saúde foram colocados à prova e, em alguns momentos, sobrecarregaram a ponto da Espanha e da Irlanda estatizaram o sistema privado para garantir o atendimento universal, sobretudo, de leitos de UTI e enfermaria. Posta a prova, a Europa resistiu, ainda que uma segunda onda de contaminados possa ocorrer, principalmente, em países que iniciaram de forma prematura a saída da quarentena, como é o caso da Inglaterra. Grande parte dos países europeus parece ter conseguido frear a Covid-19 em seus territórios.

Do ponto de vista econômico, a união europeia, depois de perceber a dimensão do problema, liberou seus países-membros de manter o equilíbrio das contas internas, o que permitiu que bilhões de euros fossem usados para garantir o sustento das pessoas ao manterem o isolamento social. Recursos para as empresas garantiram empregos e a liberação de empréstimos e compras de títulos deram liquidez ao mercado para evitar uma recessão ainda maior. No caso europeu, a intervenção do Estado também foi essencial para evitar prejuízo maior.

No caso dos EUA, o Estado também teve que injetar trilhões na economia, o que não foge a regra geral de todas as economias que tiveram que reagir à pandemia, mas uma característica muito peculiar dos EUA na área da Saúde gerou um desafio ao governo de Donald Trump, que sempre foi contrário a um sistema de saúde para a maioria da população, até mesmo um sistema de subsídio para planos privados obrigatórios como o Affordable Care conhecido como Obamacare, mas os eventos deste ano deram razão aos democratas, já que sem assistência médica adequada para boa parte da população, a Covid-19 se espalhou por todas as regiões norte-americanas, tornando os EUA o país com o maior número de mortos e infectados. Uma situação que fez com que o governo tivesse que pagar planos de saúde para milhões de americanos como forma de controle da pandemia, o que nada mais é do que o modelo democrata para a Saúde.

Nestes casos, fica evidente que a saúde universal e publica e a intervenção do Estado na economia foram fatores primordiais para que os países enfrentassem esta crise. Lógico que é necessário ter governos que independente da ideologia tenham capacidade de enxergar a realidade. Na Europa, tanto governos de direita quanto de esquerda entenderam o papel do Estado, como é o caso do Primeiro-Ministro Inglês, Boris Johnson, de tendência liberal, que admitiu que seu país, que possui o maior número de mortos pela Covd-19 na Europa, só não se encontrou em situação pior por causa do sistema público de saúde. Este cenário coloca o papel do Estado em evidência tanto na oferta de serviços públicos quanto com relação à intervenção na economia.

 

Luiz Felipe Krehan

Professor