"O grande inconveniente da vida real e o que a torna insuportável para o homem superior, é que, se transferimos para ela os princípios do ideal, as qualidades tornam-se defeitos, a tal ponto que com muita frequência o homem talentoso é menos bem sucedido do que aquele que tem por objetivos o egoísmo ou a rotina vulgar."
Renan (Marc-Aurèle)
O texto acima, o escritor Lima Barreto escolheu como prólogo para seu livro "O Triste Fim de Policarpo Quaresma".
"Vencido embora - vencido na vida, entregue à evasão da bebida, derrotado pela miséria e a doença - Lima Barreto não ficou apático diante do desequilíbrio do mundo imperfeito e ambíguo e sua obra é um estímulo e um desafio ao leitor e ao analista, que pode desdobrá-la em todas as suas implicações psicológicas e sociais."
Texto de apresentação do romance na 20ª edição (1978) pela Editora Brasiliense.
Nascido em 1952, o dramaturgo paulista Luís Alberto de Abreu tem mais de 5 dezenas de peças encenadas. Se citarmos "Bella Ciao" e "O Livro de Jó" já podemos ter uma ideia da profundidade de sua obra. Com sua habitual competência e seu imenso talento, volta-se agora para a polêmica e complexa figura do escritor carioca Lima Barreto (1881/1922), tão cara aos modernistas. Abreu insere o escritor em 3 planos distintos: no presente, Barreto é flagrado nos 3 dias de sua segunda internação, em 1919, no Hospício Dom Pedro II por problemas de alcoolismo e de saúde. Aos 41 anos, já bastante desencantado com a sua situação como literato, pela falta de reconhecimento de sua obra, Barreto dialoga consigo mesmo quando tinha 30 anos. Nesse plano do passado Barreto tenta incitar o então jovem escritor a abandonar a redação de seu romance "O Triste Fim de Policarpo Quarema" ao qual se dedicou com afinco. Cabe aqui lembrar que esse romance foi lançado como folhetim, em 1911, pelo Jornal do Commercio e, em livro, apenas em 1915 numa edição bancada pelo próprio autor. Delírios e lembranças compõem o terceiro plano, o da imaginação, onde Barreto convive também com suas personagens, em destaque o "anti-herói quixotesco" Policarpo Quaresma (ou major Quaresma). Além de ser uma figura incomum, Policarpo causava estranheza nos seus vizinhos, que não se conformavam com o fato dele possuir livros sem ter uma titulação acadêmica! - crítica explícita ao academicismo.
Patriota exaltado, propõe à Assembleia Legislativa Republicana a adoção do tupi como língua oficial da Nação. Confiando no progresso do país, lança-se depois a uma empreitada agrícola, sendo derrotado pelas... saúvas. Por fim, na segunda Revolta da Armada (setembro 1893/março 1894), dá todo apoio a Floriano Peixoto, que, no entanto, irá depois condená-lo por alta traição. Também figuras reais surgem como dona Adelaide, sua fiel irmã, Ismênia, sua jovem vizinha, assim como o arrogante general Albernaz, símbolo da elite militar medíocre.
A direção e a cenografia (vide as várias escadas que vão até o teto do palco) de Paulo Fabiano revelam-se de uma inventividade inesgotável. A luz de Décio Filho também não poupa recursos para potencializar os objetivos da "mise-en-scène". Excelentes os variados figurinos de Paulo de Moraes e Claudia Mitsue Petroff, sobretudo aqueles em que nos damos conta de uns fios vermelhos sobrepostos aleatoriamente (os mesmos fios que estão também presentes no cenário). Não é muito frequente que um elenco numeroso exiba tanto homogeneidade no alto padrão do talento de suas intervenções. Infelizmente, não tenho meios para identificá-los (intérprete/personagem), mas a rigor nem é preciso, dada a qualidade coletiva.
Mesmo assim, há que se destacar as performances dos dois atores que dão vida ao escritor e o intérprete de Policarpo Quaresma. Uma encenação primorosa da “Cia. Teatro-X” que os amantes das artes cênicas devem empenhar-se em prestigiar. Sairão extremamente gratificados!
Luiz Gonzaga Fernandes
Serviço:
Lima Barreto ao Terceiro Dia
De Luis Alberto de Abreu
Direção: Paulo Fabiano
Teatro Arthur Azevedo
Até 14 de setembro
De quinta a sábado, às 20h30, e domingo, às 19 horas
Teatro Cacilda Becker
De 18 a 28 de setembro
De quinta a sábado, às 20h30, e domingos, às 19 horas
Entrada franca em ambos os teatros.