Como foi possível que o chocolate, inicialmente um bem destinado às elites que viveram na Mesoamérica, tenha se tornado um produto global e popular no intervalo de pouco mais de 500 anos? É a esta pergunta ambiciosa que Sarah Moss e Alexander Badenouch tentam responder no livro “Chocolate: a global history”, publicado em 2009, mas que eu só li recentemente.

A despeito do subtítulo, não deixa de ser curioso que os autores sequer apresentem uma definição do que eles entendem por “história global”. Eles mostram que assim que chegou na Europa, ainda no século XVI, o chocolate era um gênero basicamente aristocrático e este elitismo permaneceu, a despeito de ter havido uma popularização no consumo a partir do século XIX. Neste sentido, as formas mais refinadas de chocolate continuaram e continuam sendo caras e acessíveis a poucos.

Ao longo do século XIX, o chocolate chegou a ser associado com nações específicas, mas, ainda assim, a história dele não poder ser nacional, afinal ele é, como os autores afirmam, um produto intrinsecamente moderno: fruto de uma divisão internacional do trabalho no qual, de um lado, há o trabalho manual super explorado responsável pela produção e coleta do cacau, e, por outro lado, a produção mecanizada da comida. Por esta razão, a história do chocolate não pode ser nacional, mas “global”.

Diante deste fato, o leitor poderia imaginar uma análise que elucidasse como as sucessivas divisões internacionais do trabalho informaram a produção do chocolate. Ledo engano: os autores discorrem sobre a difusão do seu consumo na Europa, gastando poucos parágrafos para comentar o processo de coleta e/ou produção do cacau nas Américas. Também ganha pouca atenção, e isso deve causar espécie, a África Ocidental, atualmente a principal região produtora de cacau no mundo. Na verdade, os autores resolveram privilegiar a questão do consumo, particularmente na Europa e nos EUA em menor escala, deixando a questão da produção marginalizada.

Assim, o caráter “global” do chocolate torna-se eminentemente europeu, e é aí que ocorre o encontro entre o chocolate e o eurocentrismo, que, vamos combinar, é realmente para dar nó na cabeça de qualquer um. Se o eurocentrismo toma a experiência europeia como universal, tanto empírica como teoricamente, a história global é aquela que pretende desafiá-lo. E, no entanto, numa análise global do chocolate, vemos uma abordagem flagrantemente eurocêntrica.

Apesar da pouca ênfase na produção, os autores são enfáticos ao afirmar que boa parte do cacau produzido hoje emprega trabalhadores em regimes compulsórios, incluindo a escravidão, numa perturbadora continuidade da era colonial. De toda forma, o livro traz um interessante relato do desenvolvimento da indústria do chocolate e as relações deste gênero com o nacionalismo.

O livro tem méritos inegáveis, mas a sua principal limitação é também um indicativo da dificuldade em superar o eurocentrismo.

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Autoria
Samuel Rocha - Graduado em História pela UNIFESP. Tem mestrado em História Social pela mesma instituição. É professor da rede municipal de São Paulo.
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