O cinema brasileiro está num crescente. No começo do ano, Urso de Prata para “O Último Azul”, de Gabriel Mascaro, e agora, “O Agente Secreto”, de Kleber Mendonça, indicado ao Oscar 2026.
Não é que o cinema brasileiro voltou a ser bom — é que ele nunca deixou de ser! Só foi silenciado por um período de trevas, de desmonte cultural e cortes orçamentários. Mesmo assim, enquanto o governo autoritário, que passou por aqui, discutia se “cultura dá lucro”, nossos cineastas seguiram criando obras que gritam contra tudo isso. É nesse cenário de cinzas e cinismo que “O Último Azul”, surge como um poema sui generis.
Já conhecido por “Boi Neon”, Mascaro agora abandona qualquer pudor e entrega uma distopia que parece escrita por quem conhece os bastidores do Brasil melhor do que muito político em Brasília: um futuro onde os idosos são tratados como passivos tóxicos e isolados em colônias para não atrapalhar a produtividade dos jovens. É a meritocracia levada ao extremo, a mesma lógica que hoje destrói aposentadorias, criminaliza a velhice e chama de “peso morto” quem já sustentou o país por décadas.
Denise Weinberg, no papel central, desmonta o espectador com uma atuação de uma delicadeza quase violenta. Rodrigo Santoro surge como o velho conhecido gigante, mostrando que ainda é aquele ator visceral de “Bicho de Sete Cabeças”, mas aqui ele serve como contraponto, não como centro. O filme é dela, e ponto.
Visualmente, é de cair, pasmar: o Amazonas filmado como se fosse um planeta paralelo; barcos que flutuam como fantasmas; o céu em tons de sangue, safira e ouro. Há cenas que parecem suspensas no tempo, como se o filme dissesse: “olhe, antes que tudo isso acabe!” E vai acabar, porque o capitalismo não tem tempo para a contemplação.
O roteiro é uma bofetada. Critica o etarismo, mostra a falta de perspectiva e o esvaziamento da vida, sonhos e experimentações em nome do trabalho árduo. Demonstra que o sistema não só explora as pessoas, enquanto jovens, mas descarta depois, como quem troca o celular por um modelo novo. É cruel, atual e, principalmente, de uma brasilidade nevrálgica.
Há uma cena que sintetiza tudo: dois peixes beta em uma luta mortal — um vermelho, outro branco — dançando num fundo preto, como se a vida reduzida a espetáculo pudesse ser bela e desesperadora ao mesmo tempo. É puro cinema. É poesia em meio ao colapso que precede a morte.
“O Último Azul” não quer te entreter. Quer te lembrar que o tempo está passando e que, talvez, o verdadeiro ato subversivo seja, simplesmente, viver antes que nos aposentem da própria existência.
Ficha Técnica
Título: The Last Blue Trail Título Original: O Último Azul Direção: Gabriel Mascaro Ano: 2025