A população da cidade de São Paulo e de outras cidades da região metropolitana viveu momentos de absoluto desespero durante mais de quatro dias em razão do apagão elétrico, da queda de mais de três dezenas de árvores, semáforos pifados e muitos outros transtornos após uma chuva que durou pouco mais de meia hora no dia 11 de outubro.

O prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes, do MDB, que disputa a reeleição com Guilherme Boulos, do PSOL (número 50), apressou-se em culpar os ventos fortes pela queda das árvores e também a ENEL, empresa privatizada responsável pelo abastecimento de energia elétrica, isentando-se totalmente de qualquer responsabilidade pelo ocorrido.

Ricardo Nunes tem alguma razão: a ENEL é realmente culpada pelo apagão elétrico – que já ocorreu em outras ocasiões, com maior ou menor amplitude. Porém, sua responsabilidade, como prefeito, é evidente e inescapável. Ficou demonstrado que todas as árvores que caíram sobre casas, carros e sobre a fiação elétrica haviam sido objeto de solicitações de poda por parte dos moradores e que não foram atendidas pela prefeitura.

Mesmo após a chuva, a prefeitura levou muitas horas e mesmo dias para providenciar a sua remoção, prologando os transtornos, com ruas interditadas, carros soterrados – sem que seus proprietários pudessem acionar o seguro e casas destruídas.

O prefeito alega que mais de seis mil pedidos de poda de árvores, não atendidos era de responsabilidade da ENEL, pois essas árvores estão em contato com a fiação elétrica. Aqui a responsabilidade é dupla: da ENEL, por não cumprir sua obrigação, e do prefeito, que foi incapaz de tomar uma atitude enérgica em defesa da população para evitar o pior. Entretanto, essa questão nos remete ao centro do problema: a privatização.

O fornecimento de energia elétrica em São Paulo e no Rio de Janeiro, até 1966, era feito pela Light, empresa privada de origem canadense. Naquele ano, a empresa foi estatizada pelo governo federal. Em 1981, o governo do Estado de São Paulo adquiriu a parte paulista da empresa – já estatizada – e criou a Eletropaulo, mantendo seu caráter público.

Com o advento dos governos neoliberais, a partir da posse de Fernando Collor, em 1990 e de Fernando Henrique Cardoso, em 1995, começou a onda de privatizações de empresas estatais no Brasil. Em 1998, no processo de privatizações promovido pelo governo de Mário Covas (PSDB), a Eletropaulo foi adquirida pela empresa norte-americana AES, tornando-se AES-Eletropaulo. Em 2018, a AES colocou a empresa à venda na Bolsa de Valores – sempre com a concordância do governo paulista e do governo federal da época – sendo adquirida pela italiana ENEL.

A ENEL promoveu um enxugamento radical no quadro de funcionários da empresa, demitindo centenas de técnicos, engenheiros e outros profissionais. Não à toa, durante o recente apagão, um drone flagrou dezenas de caminhões e outros veículos estacionados no pátio da empresa, enquanto a população sofria com a falta de energia.

Importante lembrar que Fernando Henrique Cardoso, dentro do processo de privatizações, criou as agências reguladoras, entre elas a ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica). Fica claro, ao longo do tempo, que essas agências são um verdadeiro colchão de amortecimento das pressões e demandas sociais sobre as empresas privadas, preservando seus interesses. O atual presidente da ANEEL, totalmente omisso diante dos desmandos da ENEL, foi nomeado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro e tem mandato até 2027.

Hoje, com a privatização da SABESP, promovida pelo governador Tarcísio de Freitas, debaixo de forte repressão da tropa de choque dentro da ALESP, estamos vivendo a reedição de um roteiro muito conhecido. As empresas privadas visam apenas o lucro e nada farão para melhorar o atendimento à população. Assim será, infelizmente, no caso do serviço de água e esgoto, em plena emergência climática. Será preciso muita mobilização para impedir o desastre ambiental e social que esta privatização anuncia.

Aliás, Tarcísio de Freitas não hesitou em enviar tropas da Polícia Militar para reprimir com violência moradores da Zona Sul de São Paulo, que protestavam contra a morosidade da prefeitura e da ENEL em atender suas necessidades, enquanto os alimentos estragavam em suas geladeiras e pessoas doentes corriam risco de vida por não poderem usar aparelhos.

Tarcísio ainda não está satisfeito: quer privatizar o metrô, a empresa ferroviária (CPTM), as escolas estaduais e todos os demais serviços públicos que possam render aos empresários, seus aliados nos negócios e na política, polpudos lucros. Apagões, perdas e transtornos à população não sensibilizam essas pessoas. O único caminho é a mobilização popular.