Em mais uma de suas bravatas, Trump recentemente congelou US$2 bilhões de repasse financeiro federal à Universidade de Harvard, uma das mais prestigiosas do mundo. Não refletirei exatamente sobre as motivações políticas disso, vide que já há uma infinidade de “comentaristas políticos” falando disso, mas sobre o desdém do conservadorismo sobre a educação, atacando agora uma das principais instituições de ensino do globo.

Em um texto de alguns anos atrás, veiculado na Folha (https://www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/2017/03/1867370-trump-os-nerds-do-4chan-e-a-nova-direita-dos-estados-unidos.shtml), Dale Beran faz uma interessante análise sobre uma parcela dos apoiadores de Trump, ainda no seu primeiro mandato presidencial: “alguns destes são jovens nerds, sem carreira profissional destacada, muitos ainda moram com os pais, sem vida amorosa, etc. Em resumo, poderíamos dizer que fracassaram em boa parte daquilo que se espera de uma vida humana adulta razoável”.

Até aí, não são grande novidade, pois (e chegaremos lá mais tarde nesse texto), a história do capitalismo é a história do fracasso da maioria das pessoas. O que há de novo então? A consciência e aceitação, meio apática e meio cínica, deste fracasso. Não é que não saibam que são fracassados; sabem perfeitamente e, contraditoriamente, fazem desse seu fracasso seu grande triunfo contra os demais. Reivindicam sua própria “derrota” contra os “vitoriosos”, contra quem tem casa própria, contra quem tem esposa (falaria esposo também, mas a maioria é homem heterossexual), etc.

Mas o que o fracasso desses sujeitos tem a ver com o desdém do conservadorismo sobre a educação? Cresci, assim como muitos leitores deste texto, ouvindo que a educação era a melhor maneira de conquistar ascensão social. De ter um bom trabalho, de poder reivindicar direitos. Resumindo, a educação era o meio de vencer na vida.

Não foi só minha geração. Por muitas décadas este é o discurso e ainda é de alguns poucos remanescentes dessa visão romântica. Qual a diferença agora? A consciência plena da farsa desse discurso. Eu, como muitos outros da minha idade e mais novos, estudamos muito e pouco conquistamos num sentido material: sem casa própria, sem carreira digna de nota, com uma vida amorosa cada vez mais fluída e “líquida”, como diria o poeta, dentre outra infinidade de “derrotas”. Sentimos em nossas vidas que a educação como ascensão social é a história de um fracasso retumbante. Meus alunos também o sabem, antes de se formar; todo professor já escutou aluno dizer que a escola não lhe garantirá nada demais.

Temos todos, tirando aqueles românticos, consciência do fracasso, tais quais os fracassados apoiadores de Trump. Daí vem a pior parte disso tudo: Trump não é um lunático, ele possui apoio popular para agir contra as universidades estadunidenses. Não foi o mesmo no Brasil com todos os projetos e tentativas de controle político e ideológico sobre a educação brasileira desde o governo Temer?

Por que a consciência do fracasso educacional leva as pessoas a apoiarem medidas contra a educação? Além do ressentimento, que já tratei aqui em outro texto, refletindo sobre outra temática, que por si só já é um motor fortíssimo, vejo ainda um outro detalhe, mais específico em relação às universidades (como a Harvard): se a educação básica fracassou, o que dizer da educação universitária que nunca nem ao menos se popularizou para fracassar com a maioria da população? Fazer universidade é privilégio desde sempre, e o número de alunos oriundos de escolas públicas nas universidades públicas, no nosso caso, só cresceu depois de muita luta para implementação de programas de cotas socioeconômicas, a base de muita bomba de gás lacrimogêneo, bordoada e repressão de maneira generalizada, sofrida também por este que vos fala. Se fazer faculdade pública no Brasil é privilégio, imaginem pagar os milhares de dólares das mensalidades de Harvard.

Estamos num momento de reconfiguração da sociedade num nível global. Os últimos trintas anos do “fim da história”, desde a queda formal da União Soviética, de Fukuyama acabaram (com o perdão do trocadilho), e algo novo surgirá daí. O conservadorismo já deixou claro sua perspectiva: o que morreu foi a democracia liberal burguesa e o pouco de direito e avanços que conquistou; cortam-se direitos trabalhistas, corta-se incentivo à educação, e a qualquer tipo de inclusão de pessoas oprimidas, e o próprio modelo “democrático”, que pareceria, nesta visão liberal, o melhor modelo político possível é atacado.

Penso que estão certos: neste momento de reconfiguração da sociedade, não há espaço para essa democracia burguesa de conciliação de classes, ela... fracassou. Seus parcos avanços foram muito poucos perante o que se prometia, e enquanto se esperou e se espera mais alguma coisa dela, o bolso, o órgão mais sensível do corpo humano, como diria um velho conhecido, está cada vez mais vazio.

O conservadorismo prepara a luta por sua parte, mostra as garras e os dentes sobre tudo. Enquanto o lado oposto continuar tentando propagar ideias que não cabem mais ao nosso mundo, como essa crença ingênua de que a educação é modo de ascensão social dentro de um regime capitalista, que, se é o modelo da competição é o modelo do fracasso – toda competição tem um número muito baixo de vitoriosos para um número muito maior de derrotados; em Roland Garros são 128 atletas para um vencedor; no campeonato brasileiro de futebol são 30, 40 atletas vencedores para 19 clubes derrotados, compostos cada um pelo mesmo número de jogadores, etc., a rapina conservadora voará livremente.

Autoria
Júlio César Rodrigues da Costa é Mestre em Filosofia pela UNESP, Professor da rede estadual do Estado de São Paulo e colaborador do CCN Notícias.
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